BR-040 tem remendos e rachaduras após redução de 80% em investimentos
Tribuna percorre trecho e encontra vários segmentos avariados. Jornal também fez levantamento exclusivo que aponta redução do quadro de pessoal contratado pela Concer, que alega uso de mão de obra terceirizada.
Em um ano, a Concer reduziu de R$ 28 milhões para R$ 5,5 milhões os investimentos para manutenção e conservação da rodovia BR-040, entre Juiz de Fora e o Rio de Janeiro (ver quadro). As informações, obtidas pela Tribuna a partir de análises de documentos públicos, como relatórios de gestão e balanços contábeis, mostram ainda uma queda significativa no quadro de pessoal próprio contratado para executar estes serviços. A redução é gradativa e teve início em abril do ano passado, quando havia 260 funcionários para esta finalidade, chegando a 151 em maio deste ano. Na prática, isso reflete de forma negativa para os usuários da rodovia, que enfrentam um pavimento precário em praticamente todos os 180 quilômetros que separam as duas cidades, mesmo com o pagamento de três pedágios ao valor unitário de R$ 12,40. Na última terça-feira (27), a reportagem percorreu o trecho e se deparou com trincas, remendos e irregularidades na pavimentação, apesar de a viagem no trecho custar R$ 0,21 por quilômetro percorrido, o que faz da BR-040, administrada pela Concer, a terceira concessão mais cara do país, conforme os contratos firmados pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT).
Diante desta situação, o deputado federal Hugo Leal (PSB-RJ), que é de Petrópolis (RJ) e acompanha a concessão da rodovia em Brasília, avalia a possibilidade de pedir auditoria nas contas da empresa. “Estão há 20 anos arrecadando e fazendo retoques. Nem a obra estão tocando mais, portanto a única coisa que eles deveriam estar fazendo era manter a conservação em dia. Estou discutindo com o Ministério Público Federal (MPF) uma ação para responsabilizar a Concer por cada acidente que ocorrer na rodovia em virtude da má conservação. Quero que os responsáveis pela concessionária respondam por homicídio ou lesão corporal”, disse. Para Leal, a Concer se transformou em “zumbi”. “Estão arrecadando nos pedágios para fazer fluxo que não está sendo usado na BR-040.”
A Concer é uma companhia que tem como acionista majoritário a Triunfo Participações, responsável por outras concessões rodoviárias do país. Entre elas, a Concepa (BR-290 e BR-116), Concebra (BR-060, BR-153 e BR-262), Econorte (BR-269) e Transbrasiliana (BR-153).
Empresa se defende
A concessionária alega que a situação identificada na estrada é explicada pelo desequilíbrio econômico-financeiro causado por uma dívida da União estimada em cerca de R$ 400 milhões. Ainda de acordo com a Concer, o declínio das contas da empresa está diretamente ligado às obras paralisadas da Nova Subida da Serra, uma intervenção de R$ 1,16 bilhão que prevê um novo traçado para quem segue do Rio de Janeiro em direção a Petrópolis (RJ). Quando da assinatura do contrato de concessão, em 1995, esta obra, prevista sem estudos aprofundados, estava estimada em R$ 80 milhões (cerca de R$ 375 milhões em valores atuais), e dada tamanha diferença, a ANTT firmou, em 2014, um aditivo contratual assumindo o pagamento desta diferença em três parcelas, por meio de aportes.
No caso do descumprimento do pagamento das parcelas, a concessão, que encerra em 2021, poderia ser prorrogada por até mais 17 anos e seis meses. Nem o primeiro aporte, estimado em 30% do valor total, chegou a ser integralmente pago e, no mês passado, por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), a ANTT anulou a parte do aditivo contratual que previa mais tempo de concessão, transformando toda a situação em um imbróglio administrativo, prestes a ser resolvido no âmbito judicial.
Além disso, o TCU, por meio de um acórdão, orientou a ANTT a analisar outras situações, ainda não respondidas. Entre elas, “se o serviço está sendo prestado de forma eficiente”, se a concessionária cumpriu todas as cláusulas contratuais ou regulamentares concernentes à concessão” e “se a concessionária mantém condições econômicas, técnicas ou operacionais para adequada prestação do serviço concedido”. Apesar das informações da Concer, o deputado afirma que a inadimplência da União não pode ser justificativa para a má conservação.
Concessionária diz ter dificuldade financeira
De acordo com o presidente da Concer, Marco Antônio Ladeira, que assumiu o cargo em janeiro deste ano, acreditando que a dívida seria paga – ou a concessão pudesse ser prorrogada -, a empresa manteve o ritmo de obras por mais dois anos, superando a marca de 50% das intervenções previstas. Isso foi possível, segundo ele, por meio de recursos próprios e linhas de financiamentos bancários, que causaram um verdadeiro rombo nas finanças da companhia. Apesar disso, garante que permanece, com recursos próprios, nos trabalhos de manutenção das estruturas erguidas ou parcialmente construídas, como o túnel de cinco quilômetros, pontes e viadutos.
Agora as instituições financeiras cobram as dívidas ao mesmo tempo em que a concessionária aguarda os repasses devidos pela União. Apenas para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Concer deve R$ 219,6 milhões. E, segundo os demonstrativos financeiros do exercício 2016, publicados há dois meses, a Concer encerrou o último ano com “capital circulante líquido negativo no montante de R$ 664,72 milhões” e prejuízo, em igual período, de R$ 44,42 milhões. A auditoria externa que analisou as contas afirmou que “a continuidade das atividades operacionais da companhia depende do reequilíbrio econômico e financeiro do contrato de concessão; do reperfilamento de sua dívida e de aporte de capital próprio ou de terceiros”.
“O que a concessionária quer é o reequilíbrio do contrato para termos plena capacidade de fazer os investimentos que queremos e devemos fazer. Nós somos prestadores de serviços e temos créditos com a União. Atualmente estamos nos reorganizando com intuito de ter a rodovia como nosso foco principal”, disse Ladeira. Em outro momento, ele acrescentou: “Ou que reequilibre ou que termine o contrato. Porque o próximo passo é a Justiça, o que não é bom para ninguém.”
Ainda conforme o presidente, a retomada das obras da Nova Subida da Serra depende da liberação do projeto executivo, atualizado pela companhia, e da disponibilidade dos recursos por parte da União, o que inclui o pagamento dos trabalhos já realizados. Para isso, a Concer tem uma equipe de aproximadamente 50 servidores, entre engenheiros e técnicos, que já entregaram mais de três mil documentos com informações e esclarecimentos à ANTT. Outras dúvidas e detalhes ainda são demandadas pela agência, de acordo com Ladeira. “Fato é que a obra gerou mais de 1.500 empregos, imagine o que é demitir todos em plena crise financeira no país? A obra parou porque não havia mais como custeá-la.”
Sobre a dívida com a União, estimada em cerca de R$ 400 milhões, a ANTT informou, em nota, que a concessionária só poderá ser reconhecida como credora após a análise do projeto executivo, ainda em andamento.
Concessionária diz já ter retomado investimentos
Em entrevista ao jornal na sede da empresa em Duque de Caxias (RJ), na última terça-feira, o executivo reconheceu a redução dos investimentos na manutenção e conservação da rodovia, mas negou que tenha diminuído o quadro de pessoal contratado para este fim. Segundo ele, os cortes apresentados nos relatórios de gestão são supridos pela contratação de mão de obra terceirizada, dentro de uma reestruturação interna da companhia. Garantiu, também, a retomada de alguns programas de recuperação do pavimento, rígido e flexível. Como exemplo, ele citou a recuperação das placas de concreto que compõem o piso na pista de subida, entre Caxias e Petrópolis, a recém-inaugurada passarela de Araras, próximo a Itaipava, e o reforço da sinalização vertical e horizontal em mais de 60 pontos da estrada. “Estamos reordenando as questões da rodovia para que a gente possa investir nela. O que temos condições estamos fazendo para a nossa rodovia. Mas é preciso deixar claro que, com a tarifa do pedágio, fizemos uma série de intervenções importantes ao longo da concessão, com duplicações, construções de passarelas e pontes. Nos últimos cinco anos, pagamos mais de R$ 200 milhões em impostos e mantemos todas as nossas obrigações sociais, com ambulâncias e serviços de reboque e segurança. Este tipo de trabalho, a gente sempre preservou e nunca foi reduzido.”
MPF sugere licitação para retomada da Nova Subida da Serra
O Ministro Público Federal (MPF) em Petrópolis (RJ) reuniu, ao longo dos últimos anos, uma série de ações civis relacionadas a problemas pontuais da estrada. Conforme a procuradora Joana Barreiro, todas as evidências mostram o “declínio da Concer”. Por esta razão, ela defende que a obra da Nova Subida da Serra (NSS), mesmo com autorização e recursos para a retomada, não seja feita pela concessionária, e sim por nova empresa, definida em leilão, ou por meio do próprio Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Definida a situação da obra, ela também não descarta solicitar a caducidade do contrato em razão de descumprimentos das obrigações contratuais. A ANTT também foi questionada da possibilidade de interromper o contrato antes de 2021 e, em nota, informou que “qualquer processo de aplicação de penalidade à concessionária deve correr em sigilo até que esteja transitado em julgado”.
“A empresa não tem condições financeiras de arcar com estas intervenções. Ela descumpre cláusulas contratuais importantes que dizem respeito à sua capacidade de recursos. Não é de hoje, a Concer distribui a receita do pedágio ao grupo Triunfo, que também não está com boa saúde financeira. Por isso, defendemos junto à ANTT que a concessionária não tem mais condições de seguir com o contrato, muito menos ter o prazo de exploração prorrogado”, disse a procuradora. Ela também é enfática ao afirmar que a concessionária não pode justificar as falhas na manutenção ao não cumprimento dos aportes.
O presidente da companhia, Marco Antônio Ladeira, admite não saber se a Concer será a responsável pela retomada das obras da NSS. Na sua avaliação, o necessário no momento é saber a decisão do Governo com relação aos aportes financeiros ou prorrogação do contrato. Apesar de a ANTT ter anulado a cláusula que possibilitava a extensão, a Concer recorre da decisão por entender que o trâmite foi estabelecido em conformidade com as normas jurídicas vigentes. “O que queremos é reequilibrar o contrato. Se será uma obra da Concer ou não, esta é uma decisão que eles vão tomar.”
ANTT espera reiniciar obras em agosto
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) informou que existe expectativa de retomada das obras da Nova Subida da Serra no fim de agosto deste ano. Mas para que isso aconteça, será necessária ainda a análise do projeto executivo pelo Tribunal de Contas da União (TCU), além de manifestação do Congresso Nacional e do Ministério dos Transportes para dar prosseguimento à disponibilização dos recursos orçamentários. O custo da obra ainda está em análise e a agência informou que, até o momento, a obra será feita pela Concer e qualquer manifestação contrária caberá ao Ministério dos Transportes.
Em outra frente, a agência analisa as condições da concessionária de manter a exploração da estrada entre Rio de Janeiro e Juiz de Fora. Neste cenário, o TCU, em acórdão publicado em abril, solicitou algumas recomendações ao órgão, entre elas, “se o serviço está sendo prestado de forma eficiente”, se a concessionária cumpriu todas as cláusulas contratuais ou regulamentares concernentes à concessão” e “se a concessionária mantém condições econômicas, técnicas ou operacionais para adequada prestação do serviço concedido”. Questionada sobre as recomendações, a ANTT afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que fez a análise destas orientações, mas não respondeu quais foram os resultados encontrados.
Pelo menos com relação ao primeiro item do TCU, os usuários da via respondem: “A subida da serra é muito ruim, pista muito estreita e irregular, fazendo o caminhão dar socos. Para caminhão é complicado, para nós, transportando gás, é ainda pior e mais perigoso”, disse o caminhoneiro Lázaro Aparecido, 47 anos, de Paulínia (SP), que carregou o veículo no Rio e seguia viagem em direção a Uberlândia. Morador de Areal (RJ), o eletrotécnico Edmar Neves, 41, disse algo semelhante. Na sua avaliação, o valor do pedágio não condiz com a situação observada. “Pelo que pagamos, a pista deveria estar melhor, sem ondulações e buracos”.
Uma usuária da via, que frequentemente faz o percurso Rio-Juiz de Fora e preferiu não se identificar, afirma que o trecho da subida da Serra é incompatível com o volume de veículos que circula atualmente. “Principalmente por conta do grande número de carretas. São veículos muito grandes e largos, que dificultam a ultrapassagem segura de quem segue de carro, transformando a passagem pelo trecho em um pesadelo. A noite é ainda pior, situação que se agrava se houver neblina. Sem olhos de gato suficientes, já enfrentei momentos de pânico em que não dava para enxergar nada e o quadro era de risco de acidente a qualquer momento.”