PM mantém ocupação em seis bairros para frear homicídios
Motivações são tráfico de drogas e disputas entre integrantes ou simpatizantes de facções criminosas; moradores ainda têm receio, mesmo com reforço policial
“O policiamento melhorou muito. Passam viaturas pela manhã, à tarde, à noite e de madrugada. Graças a Deus está tranquilo. Mas não podemos falar muito, sabe como são as coisas, é perigoso para a gente que mora aqui. Sou pessoa de idade e não quero me envolver, porque tenho filho, sobrinho. Luto pelas melhorias no bairro, mas não podemos ficar de frente.” O receio desta moradora reflete bem a realidade de quem habita regiões disputadas pelo tráfico de drogas em Juiz de Fora.
O acirramento entre grupos rivais tomou contornos ainda mais violentos desde meados do ano passado, quando ditos integrantes da facção criminosa sediada em São Paulo chegaram à cidade, iniciando um série de execuções de desafetos, possivelmente ligados à principal facção carioca. Desde então, as forças de segurança têm agido para frear os homicídios, e a Polícia Militar iniciou operações de ocupação nas localidades consideradas mais problemáticas. Há quatro meses, os militares permanecem em seis bairros: Santo Antônio e Vila Ideal, na Zona Sudeste; Bela Aurora e Sagrado Coração de Jesus, na região Sul; e nas vilas Esperança I e II, na Zona Norte.
“A disputa por pontos de tráfico de drogas é o principal motivo dos homicídios em Juiz de Fora e foi intensificada desde 31 de agosto 2022, quando traficantes oriundos do Bairro Santo Antônio se deslocaram a um ponto de venda de drogas no Bairro Vila Ideal e cometeram um duplo homicídio, que resultou na morte de dois menores e em graves ferimentos a um terceiro”, contextualiza o major Alexandre Antunes, porta-voz da 4ª Região da PM. A investida criminosa tirou as vidas de dois adolescentes, de 14 e 16 anos. Eles sofreram, pelo menos, 17 e nove perfurações à bala, respectivamente.
Outro, 17, fugiu por um escadão com um tiro na região do abdômen e três na perna. Segundo o registro policial, as vítimas estariam comercializando drogas em uma região conhecida como “boca da maconha”, quando dois supostos usuários se aproximaram para comprar entorpecentes e abriram fogo. “Desde então, foi registrada uma sequência de homicídios tentados e consumados envolvendo criminosos que se declaram integrantes ou simpatizantes de facções criminosas, inclusive no interior do sistema prisional”, complementa o oficial.
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Ocupação teve início após 13 homicídios em maio
Para frear a onda de violência, a PM adotou medidas preventivas e repressivas, inclusive para desarmar bandidos. “No mês de maio de 2023, a cidade registrou 13 homicídios consumados, enquanto que em maio de 2022 não houve nenhum. Esse aumento significativo fez com que as forças de segurança intensificassem as ações e operações no combate ao tráfico de drogas e ações de inteligência visando a identificar membros de organizações criminosas presentes em Juiz de Fora”, destaca o major Alexandre Antunes.
Desde junho, quando teve início a Operação Ocupação em seis bairros, a PM contabilizou 18 assassinatos na cidade, até o dia 20 de setembro. O número é igual ao registrado no mesmo período de 2022. “Nos dois primeiros meses da Ocupação, os homicídios reduziram no município e, no mês de setembro, houve um aumento, se comparado ao ano passado. No geral, no último quadrimestre houve estabilidade”, observa o oficial. Por outro lado, as ocorrências de uso e tráfico de entorpecentes saltaram de 611 para 929, nos mesmos intervalos de tempo.
“A PM ocupa diuturnamente os locais onde já há comprovação da incidência de tráfico de drogas e presença de pessoas que possuem ligação com organizações criminosas. São desencadeadas ações preventivas, com ocupação em locais estratégicos, além de ações repressivas com abordagens, inclusive com cumprimento de mandados de busca e apreensão expedidos pela Justiça”, pontua o porta-voz da 4ª Região da PM. Segundo ele, a operação não tem data para terminar. “Os resultados são satisfatórios desde o início, muitas armas foram retiradas de circulação, criminosos foram presos, e a presença da PM devolve a tranquilidade para moradores e comerciantes desses bairros.”
Lideranças apontam necessidade de projetos sociais
Para além das ações repressivas, lideranças comunitárias reforçam a necessidade de outras políticas públicas nas regiões onde há enfrentamentos em decorrência do tráfico. “A intervenção é importante, porém sempre pontuo que devemos apoiar projetos sociais e implantar ações de prevenção nas escolas, projetos sociais, ocupando o tempo de crianças e jovens, proporcionando cursos profissionalizantes e empregabilidade. Só assim teremos uma sociedade melhor”, dispara Fernanda Delgado, à frente da Associação dos Moradores do Bairro Benfica, Zona Norte, e integrante do Conselho Municipal de Segurança Pública.
Morando em Benfica há 37 anos e convivendo de perto com as questões afetas às vilas Esperança I e II, ela pondera que a presença de uma pessoa fardada impõe respeito e evita a propagação da violência, mas não é suficiente. “Ao longo dos anos infelizmente não tivemos grandes investimentos na parte social e educacional, e tivemos um grande aumento na criminalidade. Mas não podemos desistir, nem criticar aqueles que por algum momento entraram para a criminalidade. Podemos, sim, dialogar na tentativa de mudar os pensamentos e as atitudes deles. Precisamos ter paz para irmos e virmos com nossas famílias. Segurança é um dever do Estado e de todos nós como cidadãos.”
Presidente da Associação dos Moradores do Bela Aurora, André Luis Brasilino sentiu melhora na segurança com a ocupação da PM, após a morte de uma criança de 10 anos, baleada enquanto fazia um lanche no trailer do pai, também assassinado no bairro em 11 de maio deste ano, durante troca de tiros entre criminosos que seriam de facções rivais. “A comunidade ficou triste, ficamos um tempo presos (em casa), com medo de ataques na comunidade. Mas (essa operação) é um paliativo, porque seria bom se a polícia pudesse ser mais parceira na comunidade, não só com repressão, mas com outras atividades para a população confiar mais na corporação.”
Investigação concluída
No último dia 15, a Polícia Civil concluiu a investigação sobre o assassinato da menina. A irmã, 11, também foi atingida, mas sobreviveu, assim como outras duas crianças. Um homem, 24, preso dias depois do crime com um revólver, foi indiciado pelo homicídio. Segundo a investigação, o motivo do tiroteio seria vingança contra traficantes que teriam ligação com o Comando Vermelho. A polícia apurou que o atirador faria parte do grupo do Belo Aurora, mas, após ser expulso, teria entrado na organização rival PCC e teria ido ao local no dia do crime para se vingar. Ao todo, três supostos envolvidos com o PCC foram presos, dois que estavam no local do crime: o que fez os disparos e um jovem, 21, que dirigia o veículo usado no ataque.
Apesar da apuração da polícia, Brasilino não acredita que facções criminosas estejam instaladas na comunidade. “Como não há uma cooperação mais ativa do Estado, as pessoas vão assumindo esse rótulos e achando que isso é normal. Mas acredito que era mais uma briga pessoal.” Ele insiste na necessidade de parceria. “Não podemos fazer uma festividade, temos dificuldade para fechar uma rua, fazer um bloco, coisas que no meu entendimento ajudam a integrar a comunidade. Melhorou com a presença da polícia, mas não queremos que morram pessoas para que o Estado coloque a cara.”
Ainda em setembro, a Polícia Civil deflagrou a primeira fase da Operação Avalanche para conter as ações do tráfico e as disputas territoriais, principalmente entre duas principais facções criminosas do país, afirmando que o crescimento do tráfico e de homicídios na cidade se deve, em grande parte, à instalação dos grupos provenientes do Rio de Janeiro e de São Paulo na região.
Além dos bairros citados, a PM garante estar intensificando o combate ao tráfico por toda cidade e solicita apoio da população para denunciar essa prática por meio do número 181, do Disque-Denúncia Unificado (DDU), que garante o anonimato.