Ultraprocessados aumentam risco de depressão persistente em até 30%

Pesquisa brasileira com 14 mil pessoas ao longo de oito anos revela que má alimentação eleva chances de desenvolver o transtorno


Por Agência Einstein

21/05/2025 às 08h18

Cientistas da Universidade de São Paulo (USP) revelam associação direta entre consumo de ultraprocessados e maior risco de depressão persistente. A descoberta integra o Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil) e foi publicada em maio no Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics.

A investigação acompanhou mais de 14 mil pessoas durante oito anos em três períodos: 2008 a 2010, 2012 a 2014 e 2017 a 2019. Os resultados iniciais mostraram que pessoas com maior consumo de ultraprocessados tinham risco 30% maior de desenvolver depressão.

A associação entre depressão e consumo de ultraprocessados já era conhecida pelos especialistas. “Isso porque os ultraprocessados têm um perfil pobre de nutrientes – eles substituem alimentos não processados e mais saudáveis, como frutas, verduras, legumes, castanhas, sementes, alimentos integrais”, explica a psicóloga Naomi Vidal Ferreira, pós-doutoranda da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e autora principal da pesquisa. “Além disso, eles contêm altos níveis de açúcar, gorduras saturadas, sódio e aditivos químicos, promovendo um ambiente inflamatório no organismo.”

O perfil nutricional dos ultraprocessados afeta negativamente a microbiota intestinal. Isso causa neuroinflamação através do eixo intestino-cérebro. O corpo reage aumentando a produção de cortisol, o que prejudica o humor e pode aumentar sintomas depressivos.

“A flora intestinal tem papel fundamental na produção de neurotransmissores como serotonina e ácido gama-aminobutírico, que regulam funções cerebrais. Alimentos ultraprocessados afetam negativamente essa microbiota, comprometendo esse processo”, detalha o psiquiatra Alfredo Maluf, do Hospital Israelita Albert Einstein.

Ultraprocessados Freepik
Estudo aponta que pessoas com maior consumo de ultraprocessados no início do estudo tinham 58% mais chances de desenvolver depressão persistente (Foto: Freepik)

Depressão persistente

O destaque da pesquisa foi a depressão persistente ao longo dos oito anos. Os participantes foram divididos em três grupos: sem depressão, com diagnóstico em uma avaliação e com diagnóstico em duas ou mais fases.

Pessoas com maior consumo de ultraprocessados no início do estudo tinham 58% mais chances de desenvolver depressão persistente. “Esse achado é novo. A relação entre consumo de ultraprocessados e persistência da depressão não é muito explorada na literatura”, comenta Ferreira.

Maluf afirma que uma alimentação inadequada pode desencadear e prolongar episódios depressivos. “Hoje já se fala em psiquiatria do estilo de vida: mesmo com medicações adequadas, se a pessoa não fizer atividades físicas e não tiver um bom padrão alimentar, é difícil atingir uma boa resposta clínica, porque estará bombardeando a microbiota intestinal o que dificulta a regressão da atividade inflamatória sistêmica”, explica o especialista.

Substituição de alimentos

O estudo da USP também analisou o impacto da substituição alimentar na prevenção da depressão. Simulações matemáticas indicaram que substituir 5% da ingestão calórica de ultraprocessados por alimentos minimamente processados pode reduzir o risco de depressão em 6%. Já uma substituição de 20% poderia diminuir esse risco em 22%.

Alimentos minimamente processados são aqueles que passam por poucas alterações no processo de industrialização. Eles mantêm sua estrutura original e a maior parte dos nutrientes. São exemplos arroz, café, feijão, leite e outros submetidos a secagem, fermentação, moagem ou ensacamento, sem adição de aditivos antes de chegar às gôndolas.

Essa quantificação é considerada uma das inovações da pesquisa e mostra que pequenas mudanças na dieta podem trazer efeitos positivos relevantes. “Essa diminuição é esperada e mais evidências devem surgir. Mas é um desafio, já que não existem políticas governamentais que atuem de forma consistente na mudança desses hábitos. No caso do tabagismo, por exemplo, só conseguimos diminuir o consumo de cigarro devido às campanhas, alterações nas leis e criação de tributos”, comenta Maluf.

O estudo avaliou a influência de variáveis sociodemográficas. Jovens, mulheres, pessoas negras ou pardas, fumantes, indivíduos com maior ingestão calórica e maior índice de massa corporal (IMC) são mais propensos a desenvolver depressão. Pessoas com ensino superior, casadas e fisicamente ativas apresentam menor risco de ter a doença.

Os especialistas afirmam que esses achados reforçam a realidade observada em consultórios e outros estudos clínicos: grupos em maior vulnerabilidade social ou com estilo de vida pouco saudável apresentam maiores índices de doenças mentais. “É uma somatória de fatores: má alimentação, obesidade, sedentarismo e baixa qualidade de vida tornam esses indivíduos mais suscetíveis à cronicidade da depressão”, diz Maluf.

Os resultados do estudo são especialmente relevantes por se tratar de uma pesquisa brasileira. O Brasil lidera o ranking de prevalência da depressão na América Latina. “Considerando o impacto econômico e social da depressão, especialmente em um país com alta desigualdade, as evidências geradas têm potencial para influenciar decisões em saúde pública e melhorar a qualidade de vida da população”, concluiu o psiquiatra do Einstein.

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