Projeto une ciência e ilustração para valorizar a flora da Mata Atlântica
Criada por estudante de Biologia da UFJF, iniciativa ‘Biologia e Arte’ transforma as redes sociais em espaço de divulgação científica e educação ambiental

Apesar de bastante degradada na região, a Mata Atlântica ainda conta com fragmentos preservados na Zona da Mata mineira. Com o desmatamento histórico, muitas vezes nem sabemos quais são as espécies nativas que ainda resistem ao nosso redor, presentes tanto em Juiz de Fora quanto em diversas outras cidades da região.
Foi pensando em aproximar as pessoas do bioma original da região, que surgiu o projeto “Biologia e Arte”, uma iniciativa criada pela estudante Júlia Firjam e financiada pela bolsa PIBIART da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A proposta une ciência e expressão artística para apresentar espécies da flora local por meio da pintura, aquelas que você já deve ter cruzado por aí, mas talvez nunca tenha parado para observar ou conhecer pelo nome.
A Tribuna conversou com Júlia, estudante de Ciências Biológicas e artista plástica, que idealizou o projeto. É ela quem assina as ilustrações que divulgam as espécies nativas no Instagram (@ju.firjam), em parceria com a UFJF e com o Jardim Botânico, transformando a rede social em um espaço de educação e valorização da biodiversidade local.
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Semente do projeto

Em entrevista à Tribuna, Júlia conta que cresceu no mato e relembra as trilhas e brincadeiras na terra que marcaram sua infância. Aos 23 anos e prestes a se formar em Ciências Biológicas pela UFJF, reconhece que a conexão com o ambiente influenciou diretamente na sua escolha profissional. Durante a pandemia, retomou esse vínculo com a terra, cuidando de plantas em casa, um passatempo que se transformou em hobby durante a quarentena. Na mesma época, ela abandonou o plano inicial de cursar Medicina e escolheu a Biologia, hoje seu curso do coração.
Paralelo a isso, a arte também estava presente em sua rotina. Filha de pintor, herdou do pai a veia criativa e também recebeu dele o incentivo para começar a pintar. Assim como as plantas, o hábito de desenhar também se intensificou na pandemia. O hobby, que Júlia postava casualmente nas redes, começou a “hitar” e com o tempo ela decidiu unir suas duas paixões: arte e ciência. Com apoio da família e amigos, passou a produzir vídeos em que retratava espécies brasileiras enquanto explicava aspectos botânicos, zoológicos ou microbiológicos com base no que aprendia na universidade.
Assim surgiu oficialmente o projeto “Biologia e Arte”, que rapidamente conquistou um público de mais de 60 mil seguidores. Apesar do sucesso, a conta original foi banida da rede de forma injusta, conforme conta a idealizadora. Julia, no entanto, não desanimou e usou um novo perfil e, buscando ampliar sua atuação, se inscreveu no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Artística (PIBIART) da UFJF.
Criado há cerca de 20 anos, o PIBIART tem como foco o desenvolvimento de projetos artístico-culturais propostos pelos próprios estudantes, que indicam seus orientadores. Em sua versão mais recente, o programa foi ampliado para incluir grupos artísticos permanentes e projetos de mediação cultural desenvolvidos em espaços como a Escola de Artes do Centro Cultural Pró-Música/UFJF. O projeto de Júlia é orientado pelo professor Fabrício Alvim Carvalho, do Laboratório de Ecologia Vegetal, e conta com a coorientação da Kelly Antunes. As espécies de árvores utilizadas nos vídeos integram o experimento do BEF-Atlantic, realizado no Núcleo de Integração Acadêmica para Sustentabilidade Socioambiental (NIASSA-UFJF), com apoio da Fapemig.
Divulgação científica com cor e afeto
Mais do que um exercício artístico, o projeto representa uma proposta nova de divulgação científica e educação ambiental. Em vez de seguir os moldes da ilustração botânica tradicional, que valoriza o rigor técnico e exige conhecimento aprofundado em morfologia, nomenclatura e taxonomia, Júlia opta por um estilo mais livre e acessível. As espécies são retratadas com traços autorais, cores vibrantes e uma narrativa que conversa com o cotidiano das pessoas. Ainda que preserve fidelidade às características das plantas representadas, o foco não está apenas na exatidão científica, mas na criação de vínculos afetivos entre o público e a natureza.

A estudante conta que essa abordagem tem se mostrado eficaz para aproximar o público de temas que, muitas vezes, são vistos como distantes ou difíceis de entender. “A botânica, por exemplo, costuma ser percebida como um campo técnico, com linguagem rebuscada e pouco espaço para a subjetividade”, explica. Ao utilizar recursos visuais atrativos, nomes populares e explicações simples, o projeto consegue despertar a curiosidade até mesmo de quem nunca se interessou pelo tópico.
E mais do que transmitir conhecimento, o “Biologia e Arte” promove uma mudança de percepção: ao reconhecer e valorizar a flora que nos cerca, mesmo aquela que cresce nas calçadas, nos quintais ou nas bordas de estradas, passamos a enxergar a conservação ambiental como algo próximo, possível e urgente. Conhecer é o primeiro passo para preservar.
O trabalho de Júlia soma a um movimento mais amplo que defende uma ciência comunicada de forma criativa e sensível. A ilustração botânica científica segue sendo essencial, mas projetos como o dela mostram que há outros caminhos para cultivar o interesse coletivo pela biodiversidade. A arte encontra a ciência e o resultado pode ser transformador. A parceria com a UFJF e o Jardim Botânico contribui para dar ainda mais força à iniciativa, que já impacta diversas pessoas pelas redes sociais. Com muitas visualizações, os conteúdos mostram o potencial de ações educativas aliadas à estética para formar novos públicos, inspirar práticas sustentáveis e ampliar o debate sobre a preservação da Mata Atlântica e de outros ecossistemas ameaçados.
Estagiária sob a supervisão da editora Carolina Leonel