Passarinhar: observadora de aves colabora com ciência cidadã ao fotografar espécies raras
Há cinco anos, Teca se dedica ao “birdwatching” e criou o projeto “Passarinhar” para incentivar o turismo de observação de aves em Ibitipoca
Bem antes do nascer do sol, Teca Resende acorda e se prepara para ir até as aves. Não precisa de muito para esse encontro. Com um binóculo na mão, uma caixa de som na mochila e roupas que a ajudam a se camuflar na mata, ela segue em busca de novas espécies para a sua coleção de fotografias. Mas muito além dos acessórios, uma característica essencial para praticar a atividade é a paciência. Popular em outros países, a observação de aves, conhecida como “birdwatching”, em inglês, tem ganhado cada vez mais adeptos no Brasil. A atividade colabora para a produção de ciência cidadã, muitas vezes com fotografias de espécies raras, e incentiva a preservação da natureza. No terceiro episódio da série de reportagens “Quem cuida do planeta?”, a Tribuna leva o leitor aos caminhos da observação de pássaros, prática que completa 50 anos em 2024 no Brasil.
Já faz cinco anos que Teca se dedica à observação de aves. Formada em letras, com doutorado em linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), desde a sua aposentadoria como professora, ela decidiu dar atenção a um assunto que sempre a deixou curiosa. Primeiro, Teca se tornou guia credenciada do Parque Estadual do Ibitipoca; depois foi atrás de cursos sobre observação de aves e começou suas viagens para embarcar na aventura. Já esteve em Botumirim (MG), Angra dos Reis (RJ), Capitólio (MG) e vários outros lugares nessa busca, mas foi em Conceição do Ibitipoca, lugar em que fotografou sua primeira ave – um tucano-de-bico-verde (Ramphastos dicolorus) -, que decidiu criar o projeto “Passarinhar Ibitipoca” para incentivar a atividade na serra.
‘Conhecer para preservar’
Nascida em Lima Duarte, Teca cresceu em contato com a natureza e lembra que desde pequena já gostava de ver os pássaros com seu pai. A memória afetiva que a região tem para ela fez com que quisesse morar em Ibitipoca e trabalhar para a preservação da rica biodiversidade que a serra guarda. Por meio do Passarinhar, ela promoveu o I Encontro de Observadores de Aves de Ibitipoca, que reuniu 30 pessoas da região e de outros estados do país. “A ideia é levar esse tipo de turismo para lá, o ‘birdwatching’ ainda tem pouca visibilidade na região, e espero que Ibitipoca possa passar a ser rota de observadores de aves para chamar atenção para a preservação da natureza e da conservação de espécies. É preciso conhecer para preservar.”
O Brasil abriga 1.971 diferentes aves, ficando atrás da Colômbia e do Peru. Além disso, 293 espécies só existem em território brasileiro. É a terceira maior taxa global de endemismo, liderada por Indonésia e Austrália. As informações são do Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (CBRO). E muitas espécies que estão nessas lista são monitoradas, encontradas, revistas, com a colaboração dos cientistas cidadãos. “A ciência cidadã é primordial, antecede a própria ciência, pois as pessoas já observavam a natureza há muito tempo. É muito bom ter o reconhecimento, mesmo sem ter uma formação na área, de que você está colaborando para o coletivo, para o planeta”, diz Teca.
Wikiaves e espécies raras
Ao longo da sua trajetória como observadora de aves, Teca já fotografou mais de 700 espécies. Todos esses registros são colocados na plataforma Wikiaves, um dos principais acervos de fotos de aves do país, criada pelo juiz-forano Reinaldo César Guedes. O perfil de Teca, que está entre os dez que mais colaboram com registros na plataforma on-line, conta com 11.589 fotos de 696 espécies diferentes. Entre elas, existem dois registros de espécies raras: a rolinha-do-planalto (Columbina cyanopis) e o pato-mergulhão (Mergus octosetaceus).
“A rolinha-do-planalto é a espécie mais rara que já fotografei. Quando a avistei, em março deste ano em Botumirim, Norte de Minas, quase divisa com a Bahia, me emocionei. Essa ave é observada poucas vezes. Há pouco tempo, o último registro comprovado tinha sido feito 74 anos atrás. Alguns pesquisadores já a consideravam extinta, mas em 2015 ela foi reencontrada na natureza e pude ver de perto recentemente”, comenta Teca.
Aves na Canastra, aves no quintal
Já o pato-mergulhão foi avistado pela observadora na Serra da Canastra. “É uma ave considerada muito rara, estima-se que sejam em torno de 200 a 250 indivíduos na natureza. Tem em Goiás, Tocantins e Minas Gerais. Eles só habitam lugares de águas muito claras, e com a criação de hidrelétricas, assoreamento de rios, eles estão perdendo seu habitat e ameaçados de extinção.” Próximo à nascente do Rio São Francisco, o pato-mergulhão apareceu por cerca de 2 minutos, a tempo de fazer o registro fotográfico.
Em Angra dos Reis, a observadora fotografou um beija-flor-de-bochecha-azul (Heliothryx auritus) nunca antes visto na cidade, que ocupa a oitava posição no ranking nacional de localidade com mais espécies de aves. “Hoje, essas aves integram minha rotina. Muitos passarinhos aparecem no meu quintal, fico observando e eles me encantam não só pela beleza, canto, mas pelo comportamento. As aves são fundamentais na natureza, elas são disseminadoras de sementes, polinizadores, entre outros papéis.” Além do Instagram do Passarinhar e do perfil no Wikiaves, Teca também compartilha suas descobertas em seu canal do YouTube pessoal. e do projeto Passarinhar Ibitipoca.