Às margens da MG-285

Por Tribuna

Há um automóvel Audi A3, ano 2003, parado no acostamento da rodovia MG-285, entre Piraúba e Astolfo Dutra, coberto de poeira. É uma espécie de monumento ao abandono, um tributo de aço, borracha e vidro à letal obsolescência das coisas que não se usa.

Dizem que o carro pertencia a proeminente designer gráfico das redondezas do Paraopeba. Teria herdado a carruagem alemã de um candidato a prefeito que, derrotado nas eleições municipais de 2012, pagou suas dívidas de campanha espalhando entre os credores seu patrimônio (não declarado).

– É uma beleza de carro, é só botar gasolina e rodar, não dá manutenção nunca, é alemão, pô! Pode pegar na fé, vai fazer aí uns 12 quilômetros por litro na estrada, uns 9 na cidade, doc ok e é Audi, meu filho. Olha essas argolinhas, o mulherio fica indócil. Pega o carro.

Mas aí vinha o seguro, e o rapaz não sabia. IPVA. E quando a correia estourou e as válvulas empenaram, ele estava voltando com linda moça da Festa do Tocantinense Ausente. Meia-noite. Ali mesmo, no acostamento menos romântico de todo o interior mineiro, meia lua por testemunha, ela o abandonou, e ele, por sua vez, abandonou a viatura germânica.

Quatro mil reais pra ressuscitar o motor.

O Audi está lá até hoje, vestindo uma grossa capa de poeira.

É uma visão tão árida que faz o pé da Serra da Onça parecer mais quente do que realmente é. Quando chove, desvela-se o fosco do capô azulado, os vidros translúcidos, a grade frontal amuada. Incrível como o pessoal respeita e não leva nada.

Meninos adolescentes circulam o automotor, mãos cruzadas às costas, imaginando como seria acelerar o bólido pelas curvas das BRs e MGs, apostar corrida com os pobres carros nacionais, ir às cachoeiras e às exposições agropecuárias, apanhar as meninas e mostrar a elas, no banco traseiro, alguns truques que têm aprendido vendo vídeos na internet.

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