Desafio o leitor que consiga, portando em suas mãos um livro, uma revista ou um jornal, ter um minuto de paz em locais públicos ou privados de uso comum. Que seja um tablet, um e-reader, um app de kindle instalado em seu celular, devidamente silenciado para toda e qualquer notificação: você não conseguirá se concentrar por mais que um minuto no ônibus ou no consultório médico, pois a humanidade decidiu consagrar sua existência ao universal e inesquivável barulhinho.
Quando você começar a se deixar enredar pela lábia narrativa do escritor ou escrevente que lhe angaria atenção, virá um infernal “blip” de um dispositivo alheio lhe estilhaçar a atenção. Da viagem que apenas se iniciava pelas sendas descritivas do romance, sobrará apenas a frustração de um eterno recomeço, imposto pelo horrendo barulhinho.
Saiba: um desalmado à sua esquerda clicará em algum botão que fará berrar “Bota o chapéu na cabeça/Botou bota e bota em mim” e abaixará o volume aos poucos, o estrago já feito. Mas você, resignado, retomará sua leitura. Em poucos segundos, todavia, à sua direita, um estafeta do infortúnio abrirá um áudio como “Ô Zé, mas ele vai tá lá não, sô! Aqui, num adianta ocê ir não que…”. E esse também diminuirá o volume, mas sua derrota já estará decretada, infausto leitor, pois vivemos o triunfo do barulhinho.
E por mais que você se preocupe em demonstrar, de forma muito sutil e educada, seu desconforto, quem sabe se ajeitando na poltrona e gemendo bem de levinho, ou erguendo apenas os olhos em desaprovação, ou ainda balançando discretamente a cabeça, o zumbizado desinfeliz a seu lado continuará com seus blips e pléns e blóins e “Quicando no fazendeiro/Galopa gostozim” e “O Botafogo tá embalaaaaaaaaaaado!!!”.
Não há, portanto, salvação, estimado leitor. Eles são muitos. Eles venceram. Resta a nós, caçadores do silêncio, antagonistas da notificação eletrônica e adversários declarados dá má educação sonora, a surdez voluntária, conquistada por meios químicos ou mecânicos, ou então a rendição ao enlouquecedor e onipresente barulhinho.
O triunfo do barulhinho