Pasto, pedra, árvore

Por Wendell Guiducci

Tunico andava indócil.

Quando em vez, sentado do lado de fora da cabana em que morava, moído após um dia inteiro no cabo da foice, tomando um trago de pinga enquanto Dalva preparava a janta, via o sol escorrer seu amarelão sobre a monotonia: pasto, pedra, árvore.

No alto, a montanha.

Nunca fora à montanha.

Só via de longe. De perto vira seca, morcego-vampiro, tatu, chuva de raio, jararaca, enchente, alma-de-gato, carro grande, corisco, homem estripado.

E pasto, pedra, árvore.

A montanha, só de longe.

Certa manhã, voltando do curral, sentou à porta da cabana e olhou o morrão.

– Pro diabo, vou subir essa desgraça.

Gritou qualquer coisa pra Dalva, montou o pangaré que chamava de Alvorada e partiu.

Cruzou rios mixurucas, várzeas, bambuzais, cupins e caburés até chegar ao pé do morro. E começou a subida. Lá pelas tantas o cavalinho arriou, ele amarrou o bicho num pé de manga e continuou a pé, facão na mão pra ir cortando o mato.

Por fim, o dia por um fio, chegou ao topo da montanha.

E o que descobriu lá naquela altura agora domada?

Pasto, pedra, árvore.

Olhou pra baixo e sentiu um nó nas tripas.

Um gosto de ferrugem na boca.

Dali de cima, da montanha enorme que avistava da sua cabana, não conseguia ver a cabana mínima de onde avistava a montanha.

– Peste.

E desceu cavalgando os próprios calcanhares até o pangaré, que desde então passou a se chamar Poente, e voltou em desabalada carreira pelos pastos, pedras e árvores.

Queria chegar antes que a Dalva guardasse as panelas.

Que mulher brava é uma desgraça.

 

Ilustração: João Reis
Ilustração: João Reis
Wendell Guiducci

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci é jornalista formado pela UFJF. Foi repórter e editor da Tribuna entre os anos 2000 e 2024. Hoje assina, como colaborador, a coluna de crônicas "Cronimétricas". É autor dos livros de minificções "Curto & osso" e "Suíte cemitério", e cantor da banda de rock Martiataka. Instagram: @delguiducci

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