Essas delícias

Por Wendell Guiducci

Eu me lembro de um pão com mortadela e Q-Suco de uva no Bar do Dinho, Praça Getúlio Vargas, Ubá, Minas Gerais. Depois da pelada, descalço, na quadra escaldante do ginásio.
Churrasquinho ao largo do Maracanã, Rio de Janeiro.
Pastel da Mexicana na esquina da Rio Branco com Independência, sempre Independência, Juiz de Fora, Minas Gerais. “Valeu, artista.”
Costelinha com angu e couve em Bichinho, distrito de Prados, Minas, sempre Minas.
Lembro de um capuccino em uma praça ensolarada cujo nome nunca soube, em San Remo, Itália. Quase atropelado por uma vespa. “Aqui não é Paris.”
E um pão com maionese e salaminho e Fanta laranja num quarto de pensão em São Paulo, capital. Muitos pães com maionese e salaminho e Fanta.
O porco gritando e virando chouriço e linguiça e costelinha e pernil de natal em Miragaia, distrito de Ubá, Minas Gerais. Ali, ao lado do chiqueiro, era Jesus, peão agregado, quem bebia o sangue. Não em cálice, mas em caneca de esmalte. Hóstia não havia, graças a Deus.
Fish and chips com um copão de cerveja escura no The White Horse Pub, em Heathrow, Inglaterra. “There are bugs in my room”, gritava uma dona na recepção do hostel.
Caldinho de camarão na orla de Recife, Pernambuco.
Robalo ao molho de mostarda em Ubatuba, litoral norte de São Paulo. Na brasa. Em casa.
Arroz, feijão, farinha, carne seca e coentro às margens da BR-367, Araçuaí, Minas Gerais. (à medida que se ruma para o Norte, diminuem os vidros de azeite e aumentam os de pimenta)
Uma cachaça, várias cachaças em Salinas, Minas Gerais.
Um café dentro de um quadro de Van Gogh, Arles, França.
Cachorro-quente no Loallapalooza Brasil 2013. Uma Heineken, várias Heinekens.
O primeiro prato mexicano da vida, num finado Tex Mex, Curitiba, Paraná.
Um copão de feijão com chili na falsa e animada Bourbon Street de Orlando, Estados Unidos. (o chef, olho mais azul que Sinatra, convidou para comer na cozinha e ensinou a receita. nunca acertei a mão)
Bobó de camarão sobre o canal de Cabo Frio, Rio. E em Salvador e Porto Seguro, Bahia.
Rocambole em São João del-Rei, Minas Gerais.
Cerveja de vinho em Blumenau, Santa Catarina.
E uma colher de azeite puro em Garzón, Uruguai.
Suco de inhame com limão galego em Belmiro Braga, Minas.
Pizza assada no forno a lenha socado em um trailer na praça central de Saint-Maximin-la-Sainte-Baume, França, num domingo frio e vazio de estranhos após a última missa da noite.
Yakult sentado no chão de terra batida da calçada enquanto o torvelinho fazia subir o poeirão das ruas não-pavimentadas de Suzano, São Paulo. (lembro ou imagino)
O primeiro hambúrguer após servir mesas à beira do Rio Ubá, Minas de novo.
Mariscos em Madri, Espanha.
Tapioca com Pau do Índio em Olinda, Pernambuco.
Caranguejo na orla de Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco.
Ostras vivas em algum lugar da Paraíba.
E o insuspeitamente saboroso misto-quente do Cemitério Municipal, Juiz de Fora, Minas Gerais.
(até dali há alguma boa memória pra se arrancar a dentadas)

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci é jornalista formado pela UFJF. Foi repórter e editor da Tribuna entre os anos 2000 e 2024. Hoje assina, como colaborador, a coluna de crônicas "Cronimétricas". É autor dos livros de minificções "Curto & osso" e "Suíte cemitério", e cantor da banda de rock Martiataka. Instagram: @delguiducci

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