O ano começou com muitas novidades e, em torno delas, muitas incertezas. Uma delas foi a recente decisão do Copom de manter a Selic em 14,25%, mesmo num cenário de inflação crescente. Para alguns, uma decisão acertada, dada a recessão que aflige o país desde 2014 e a insensibilidade da inflação recente aos juros; para outros, um sinal de abandono da política de metas de inflação. Em 1993, quando o IPCA chegou a incríveis 2.477,15% ao ano, o brasileiro sonhava como uma inflação igual aos 10,67% acumulados em 12 meses até dezembro de 2015. Porém, depois de viver 20 anos em um cenário de estabilidade de preços e possibilidade de planejamento do orçamento familiar, a inflação atual incomoda no bolso, principalmente por atingir alimentação e bebidas (12%) e serviços (8%). Comer, beber, pagar aluguel, estudar e se divertir está mais caro, e o brasileiro não está ganhando mais. Além da inflação que corrói o poder de compras dos salários, dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) demonstram uma redução de 130.600 postos de trabalho formais em novembro de 2015 e um fechamento de 945.400 vagas no acumulado do ano, uma taxa de desocupação de 6,9%.
Neste contexto, para uma grande parcela da população, a renda já não é suficiente para cobrir as despesas mensais. De acordo com o Serasa, no acumulado de 12 meses até agosto de 2015, a inadimplência sofreu um aumento de 12,70%. Entre os que ainda estão adimplentes e conseguindo manter um fundo de reserva, a situação não é muito melhor: de acordo com cálculos da consultoria Economática, descontada a inflação, a poupança contabilizou prejuízo de 2,28% em 2015, rendendo juros que não compensam a perda do poder de compra dos salários. Para complicar um pouco mais, o ano sempre começa com uma lista extensa de contas a pagar: IPTU, IPVA, matrícula, material escolar e outros. Nessas horas, a vontade que dá é mesmo ir viver de brisa. Contudo, a população já mostrou o quanto pode ser resiliente desde os tempos bicudos da hiperinflação e continua usando de criatividade para se proteger da delicada situação econômica do país.
O controle do orçamento familiar, por exemplo, é item indispensável nas famílias sobreviventes. Saber exatamente qual é a renda mensal (sem artifícios como cheque especial ou cartão de crédito refinanciado), quais são os gastos essenciais e o que pode ser cortado fornece um mapa importantíssimo para navegar águas turbulentas e turvas. Nesse orçamento, verificar o impacto que empréstimos e outros tipos de financiamentos estão tendo sobre os ganhos mensais também é importante. O recomendável é que as dívidas não comprometam mais que 30% da renda. Se esse limite estiver sendo ultrapassado, é hora de buscar refinanciamento a juros mais baixos via ‘portabilidade de crédito’ (converse sobre isso com seu gerente). A hora é boa, já que a Selic parou de subir e deve cair nas próximas reuniões do Copom.
Para o presidente do Instituto Data Popular, crise não é exceção para a população brasileira. Os mais graduados no assunto pesquisam preços, compram em momentos em que a massa ainda (ou não mais) está comprando (para barganhar descontos), economizam água e luz, compram no atacado ou em dias de promoção (com os encartes em punho, para não serem enganados pela memória). Alguns trocam os parcelamentos por pagamento à vista quando há desconto (e trocar quatro parcelas por um desconto de 5% é um bom negócio) ou usam o cartão apenas para as emergências (mesmo!) de fim de mês. Quem tem disposição ou um sonho ou necessidade a mais, ainda busca uma renda extra, como o professor que dá aulas particulares nos finais de semana ou o colega que vende doces caseiros para o pessoal do escritório. São os verdadeiros ‘mãos-de-tesoura’ e não devem se envergonhar disso. Muito pelo contrário. Quando as instituições falham, a volta às origens, à economia ‘doméstica’ é o que garante o amanhã.
Por Fernanda Finotti C. Perobelli, Idala Carolina, Henrique Miranda. Email para: [email protected]