Claudius Alexandre e suas vitórias que transcendem seus jogos
Ele tinha tudo para ser um grande jogador de futebol, e a vida fez dele um grande guerreiro: os campeonatos cotidianos do gigante Claudius Alexandre
De todas as medalhas que possui, a que mais orgulha Claudius Alexandre Grunewald Daldegan está nos batimentos cardíacos. “Estou vivo, e não tem coisa melhor que a vida. Aprendi a dar valor a isso. Minha vontade de viver e ficar bom é muito grande”, emociona-se o homem de 50 anos, mais da metade deles dedicada à persistência de se manter de pé. No corpo ele carrega as marcas de seu esforço. Teve fraturados tíbia, perônio, bacia, 13 costelas, maxilar, seis dentes, cabeça e braço, cujo movimento de rotação perdeu-se. Na perna direita está uma osteomielite crônica (inflamação do osso causada por infecção). No peito, preserva um marca-passo e um desfibrilador, além do desejo imensurável de seguir. “Não posso deixar minha imunidade baixar muito, tenho que ter uma vida regrada na alimentação, não posso ingerir mais do que 1,5 litro de água para não encharcar o coração, não posso fazer muito esforço”, conta ele, há cerca de um mês em casa, após mais uma longa e dolorosa internação. “Toda a minha recuperação se dá por eu ter sido atleta. Quando precisei do meu pulmão, ele funcionou.”
O atleta
O garoto jogava muito. Aos 10, era dente de leite no Tupi. Aos 13, campeão da local Copa Arizona. Aos 16, quando visitava os tios, na paulista Jacareí, o árbitro Emídio Marques Mesquita, da CBF, o convidou para fazer testes em algum clube profissional. “Pedi para ser no São Paulo. Fui, e tinham 72 meninos. Passamos eu e mais um”, lembra ele, que integrou o elenco infantil e juvenil do Tricolor do Morumbi e, dois anos depois, regressou a Juiz de Fora e tornou-se campeão júnior pelo Tupi e duas vezes campeão mineiro do interior pelo Carijó. “Joguei na inauguração do Estádio Municipal (Radialista Mário Helênio). Não cabia uma pessoa a mais na arquibancada”, orgulha-se. Ganharam a partida? “Perdemos do Sport. Quase fiz o gol de inauguração. Dei um drible, chamado rabo de vaca (jogador descreve um semicírculo mantendo a bola no pé), com o pé direito, bati de esquerda, mas a bola pegou na trave”, responde o ponta que passou por clubes como Caldense, Anapolina, São José, Jacareí, até ser emprestado, pelo Caldense, à equipe norte-americana New York Soccer Ball. “Lá, pelo futebol não ser muito difundido, quem jogava eram os latinos. A primeira frase que aprendi era: ‘A glass of water, please!’ (‘Um copo de água, por favor!’), porque estava muito calor. Lembro que o preparador físico era bravo. Fiquei cinco meses. A ideia era continuar lá”, recorda-se, para logo trazer à memória o dia 26 de dezembro de 1992. “Estava jogando em Nova York. Naquela época, era neve, e a temporada havia acabado. Vim passar férias, mas ia voltar para assinar contrato três meses depois. Sofri um acidente feio. Minha carreira acabou. Um menor de 16 anos, com um carro sem farol, bêbado, me atropelou na Avenida JK. Ele atravessou a pista e me atingiu, na moto, na contramão. Fiquei quatro meses em coma, 11 meses na cadeira de rodas, 10 meses andando com muletas.”
O mestre
O jovem precisava superar as dores do corpo e da injustiça. “Não gosto de pensar (no menor que o atropelou). Tenho certa revolta de ver que a justiça não fez nada. O menino nunca me ligou para saber se eu estava vivo, se eu precisava de um copo de água”, diz Claudius Alexandre, que se reergueu ao voltar para as salas de aula, de onde saiu com o diploma de treinador profissional de futebol. “Em 1998 eu já dava aula na Academia e no CES. Foi uma fase deliciosa”, lembra-se ele, que, no mesmo ano casou-se com Mara, com quem teve Igor, de 17 anos, e Alessandra, 15. O primogênito estuda exaustivamente para o vestibular de medicina, com o intuito de ser cardiologista, especialidade tão requerida pelo pai. “Na época em que eles eram pequenos, aproveitei muito. Eu podia fazer as coisas. A gente viajava, e eu mergulhava com meus filhos. Não podia muito fazer, mas fazia. Agora não tem jeito”, lamenta Claudius Alexandre, o mais velho de três irmãos nascidos e criados em São Mateus, região onde vive com a família. Mesmo introduzido numa rotina social e profissional, volta e meia ele precisava retornar à sala cirúrgica. “Ao todo, já fiz 27 cirurgias. Eu aguentava firme para fazer nas férias e não perder trabalho. Quantas vezes dei aula com muita dor! Tudo para não faltar! Mas chegou uma hora que não aguentei mais”, conta ele, que em 2013 sofreu cinco infartos e por duas vezes sentiu o choque do desfribilador que carrega junto ao peito. “Aposentei, sem querer, pelo futebol que eu amava. Então, dar treino para as minhas crianças passou a ser a coisa que eu mais amava. Não queria parar.”
O lutador
O homem se esforçava tanto que era preciso monitorar de tempo em tempo a frequência cardíaca. No vídeo que Claudius Alexandre carrega no celular, gravado este ano, ele está no corredor do Hospital Universitário chutando e conduzindo uma bola. Depois corre e se alonga. “O fisioterapeuta me passa alguns exercícios, e eu quero fazer dobrado”, fala, vitorioso, sobre o processo que foi paralisado, em maio, após a infecção da perna, tratada desde o acidente de 1992, evoluir para um edema pulmonar, levando-o a um quadro de septicemia. “Eu tinha chegado de São Paulo na quarta-feira e, na sexta, levando meu filho no cursinho, comecei a passar mal perto do Alameda (shopping). Rodou tudo, minha cabeça doeu. Meu filho me sentou num degrau, chamou meu padrasto, fui para Santa Casa e não me lembro de mais nada. Fiquei 26 dias em coma. Quando saí do coma, pude ter alta para administrar os antibióticos em casa”, narra ele, que se divide entre os cuidados da mãe, Ana, e da esposa, enfermeira-chefe da Santa Casa de Misericórdia. “Estou começando do zero. Agora, a voz está voltando, e eu reaprendi a andar. O cardiologista pede para eu pegar leve, mas tenho muita vontade. Amo fazer exercícios”, comenta o integrante do Panathlon Club de Juiz de Fora, que reúne semanalmente importantes expoentes do esporte local. “Isso não me deixou fora do futebol”, avalia Claudius Alexandre, cuja alta foi dada na sexta-feira seguinte à abertura da Copa, a tempo de assistir a todos os jogos do Brasil. Para ele, faltou sorte ao time. E para você, Claudius, o que lhe falta? “Ver meus filhos formados e bem”, sorri.