Maurinho, de volta ao jornal
Há mais de três décadas trabalhando na Amac, ele recorda o tempo em que vendia jornais pela cidade
Aos 9 anos, Mauro José da Silva adentrou a redação do extinto “Diário Mercantil”, no número 1.906 da Avenida Rio Branco e pediu para falar com o responsável pela distribuição do folhetim. “Como faço para vender o jornal de vocês?”, perguntou. “O senhor que me atendeu me respondeu: ‘Só se for para ontem! Hoje não dá mais, mas pode voltar amanhã e já começa a vender!’. Era um trabalho gostoso de fazer”, comenta o homem cuja rota era a Rua Bernardo Mascarenhas e seus operários e famílias que se estendiam ao longo de toda a via na Zona Norte. Quando sobravam exemplares, vendia na Rua Marechal Deodoro. “Eu andava rápido, para chegar primeiro com a notícia na mão. No Centro eu costumava deixar o jornal no chão, para as pessoas lerem”, recorda-se o homem de 54 anos, cabelos e barba grisalhos. “De manhã eu vendia o ‘Diário Mercantil’ e, no final da tarde, o ‘Diário da Tarde’. Foi meu primeiro emprego. Saía gritando nas ruas. Às vezes falava uma mentira para chamar atenção do jornal. Inventava e passava gritando: ‘Olha a mulher que engoliu uma dentadura no Bairro Tal!’. Aí as pessoas pegavam por curiosidade e acabavam comprando. Quando ia ver, acabavam os jornais”, conta, aos risos.
Extenso, o caminho era todo feito a pé pela criança ainda longe das limitações da legislação atual, que veda tal exercício, e também distante da leveza do brincar. “Eu vendia o jornal para ajudar a criar os outros irmãos. Meu pai já era doente, e minha mãe não trabalhava. Naquela época eu não ficava com dinheiro nenhum. Dava tudo para a minha mãe. Se eu precisasse de alguma coisa, era ela quem comprava para mim”, lembra ele, que por mais de uma década cruzou Juiz de Fora com as notícias, quentes, nas mãos. Em 29 de novembro de 1983, os dois veículos dos Diários Associados encerraram suas atividades. Mauro precisaria repensar a estrada. Para trás ficaram um importante trecho da história da imprensa local e os sonhos do pequeno jornaleiro. “Se eu tivesse estudo, tinha vontade de ser jornalista”, diz. Lia os jornais que entregava? “Lia muito. Gostava muito do Renato Dias. Ele sempre me via na rua e me cumprimentava. Eu queria ficar no meio desse pessoal que me viu começando, como um fruto na árvore. Queria falar: ‘Vocês me viram jornaleiro e agora sou jornalista como vocês!’.”
Casa cheia
Muito pequeno, Mauro parou os estudos. Era preciso trabalhar. Retornou, mais tarde, num supletivo, e mais uma vez decidiu não seguir em frente. “Perdi o costume”, diz. Aprendeu a servir, desde o amanhecer. “Da família sou o mais velho dos irmãos. E sempre gostei de ajudar”, pontua ele, que passou a infância no Bairro Santa Terezinha, a juventude no Sagrado Coração de Jesus e hoje vive a maturidade no São Geraldo, endereço que divide com a mãe e dois irmãos. O pai, Antônio José, morreu em 2009. A mãe, Raimunda, tem 76 anos e uma saúde frágil. “Eles nunca cobraram nada de mim, e eu sempre fui atencioso com eles”, conta, dizendo ter aprendido na rua o que sua casa lhe exigia: comprometimento.
Força tanta
Findado o primeiro capítulo de sua vida profissional, Mauro decidiu enfrentar Belo Horizonte. Um jornalista juiz-forano apresentou-lhe a alguns conhecidos na capital. O então jornaleiro entrou no ônibus e seguiu viagem. Na “cidade grande” empregou-se numa distribuidora e também encontrou um folhetim para vender. Durou pouco, contudo. “Era pesado demais. Eu trabalhava à noite na distribuidora e quando ia entregar jornal, cedo, acabava dormindo de tanto sono na porta das casas”, lembra ele, que chegou a trabalhar como cobrador de ônibus, mas logo decidiu regressar a Juiz de Fora. Por alguns meses viveu fazendo bicos, atuando como cobrador e distribuindo panfletos. Em 1986 foi empregado na Associação Municipal de Apoio Comunitário, a Amac, inaugurada há menos de um ano.
Sorriso largo
Os amigos que lhe indicaram para o trabalho de auxiliar de serviços gerais na associação disseram de uma simpatia nata de Mauro, uma humildade que se mistura à ingenuidade e ao afeto transbordante. Público-alvo da entidade, o homem tornou-se funcionário. A empatia que o fazia vender jornais mostrava-se elemento precioso num espaço de projetos de assistência social. É preciso sorrir para os que chegam. “Só encontrei gente boa por aqui, gente que me deu força quando precisei”, comenta ele, atualmente um dos mais antigos funcionários da entidade. Mauro conta ter feito serviços de banco, ter atuado no Centro de Convivência do Idoso, no prédio da Amac e em outros endereços. Hoje ajuda a manter limpo o Núcleo Travessias, na Vila Olavo Costa. Acostumou-se com o som dos grunhidos dos porcos, no matadouro logo ao lado, e também com os jovens que ocupam as quadras do local. Cumprimenta todos, fazendo crescer uma popularidade já superlativa após tantos anos de atuação na assistência social. Aguarda, agora, para dar entrada no pedido de aposentadoria. “Quando eu me aposentar penso em abrir um negócio de lan house para continuar trabalhando”, afirma, para logo acrescentar: “Sábado e domingo gosto de limpar a casa, deixar tudo arrumadinho. Nunca gostei de ficar parado. Meu negócio é o movimento.”