Os delírios emocionais do Flaming Lips e livros para perturbar a cachola
Oi, gente.
Lá vamos nós falar mais uma vez do Flaming Lips, uma das minhas bandas preferidas nos últimos 15 anos e que integram uma lista de artistas menos conhecidos por estes lados do Ocidente mas que adoro ouvir, tipo Manic Street Preachers, Delgados, Catatonia, Tindersticks, Jens Lekman, Mark Lanegan, Ölof Arnalds.
Flaming Lips é genial e surpreendente por não se prender a rótulos e lançar discos totalmente diferentes entre si, mais populares ou esquisitos ou quase inaudíveis, e agora Wayne Coyne e seus asseclas de Oklahoma City, Oklahoma, estão com álbum novo na praça. “American Head” foi lançado no último dia 11 e segue a tradição de colocar o grupo em novas direções musicais _ ou pelo menos revisitar algumas delas _ em um disco lindo de doer. Daqueles que vão entrar na sua lista de favoritos na plataforma de streaming, permanecer por lá forever e que merecem estar na lista de melhores do ano.
(Sim, estou disposto a convencer as pessoas de pouca fé).
A discografia do Flaming Lips no Spotify aponta 32 álbuns em pouco mais de três décadas de atividades, mas “American Head” é considerado o 16º de estúdio e tem nadinha a ver com “Yoshimi battles pink robots” ou “”Hear it is” ou “The terror”, “Embryonic”… É uma coleção de 11 baladas psicodélicas inspiradas em Tom Petty, Grateful Dead, Neil Young, talvez Pink Floyd. E de cortar o coração com letras sobre experiências reais (ou lisérgicas) de Wayne Coyne, incluindo mortes de amigos por causa das drogas, suas próprias experiências com substâncias ilegais, a morte da mãe, a ocasião em que foi assaltado e esteve próximo de tomar um tiro nas ideias, nostalgia, amizades e o que mais uma mente sã ou mergulhada no LSD pode identificar.
“American Head” tem baladas como “Flowers of the Neptune 6”, “Mother I’ve taken LSD” (que lembra e muito a melancólica e alucinada “I’m working on Nasa with LSD”), “Will you return / When you come down”, “Mother please don’t be sad”, “Dinosaurs on the mountain”, “You n’ me sellin’ weed” e “When we die when we’re high”.
Para quem cometeu até hoje o pecado de ignorar o Flaming Lips, “American Head” é um cartão de visitas arrebatador. Para os macacos velhos na carreira do coletivo musical de Oklahoma City, Oklahoma, a certeza que Wayne Coyne e seus comandados seguem geniais e inquietos após quase quatro décadas de carreira, com um de seus melhores álbuns.
Já que estamos escrevendo sobre pessoas que estão fora da infame caixinha, temos dois livros para recomendarmos para esta semana, e daqueles que deixam a pessoa fora do eixo. Comecemos com “Eu estou pensando em acabar com tudo”, do canadense Iain Reid, que além de escrever um livro perturbador é cunhado do presidente da Islândia.
Tudo começou quando assisti ao trailer do filme homônimo, com roteiro e direção de Charlie Kaufman _ por si só, motivo para animar a assistir ao longa. Mas aí saquei que era a adaptação de um livro _ publicado no Brasil pela Fábrica 231, veja só que mão na roda _ e decidi procurar pelo original antes de encarar a adaptação.
E como o livro é bom, senhoras, senhores e pessoas que não se identificam com nenhum dos gêneros. Rapidíssimo de ler (164 páginas), a protagonista é uma jovem que conhece um rapaz normal e gente boa, do tipo que dá para namorar sem maiores estresses; começam a sair, ficar, engatam namoro. Tudo nos conformes.
Então, qual seria o problema? A moça gosta do rapaz, estão juntos há algumas semanas, mas já percebeu que o lance não tem futuro. Ela ainda não sabe como, mas precisa terminar com ele antes que o lance fique sério demais (apresentar a amigos, parentes, pais), só que ele decide apresentá-la a papai e mamãe, que moram em uma fazenda no meio do nada.
A história se passa em um noite fria até dizer chega e com neve para uma vida inteira. A protagonista relembra o início do namoro, as coisas boas e as características cuti-cuti do boy, o medo de conhecer os sogros e o mistério do sujeito desconhecido que liga para ela em todos os horários possíveis, o qual ela guarda segredo.
“Eu estou pensando em acabar com tudo” segue estranho e misterioso até a metade da história, com aquela sensação de “tem algo errado aqui”. E a segunda metade do livro mergulha num suspense e terror psicológico tão bons que não consegui parar a leitura até o seu final surpreendente e (bota) perturbador (nisso).
Ainda não assisti ao filme, mas recomendo veementemente que ah migos, ah migas e pessoas que não se identificam com nenhum dos gêneros que procurem pelo livro em primeiro lugar.
Seguindo a vibe de dar tilt no cérebro, temos “Baseado em fatos reais”, da francesa Delphine de Vigan. Não lembro o que me levou a comprar o ebook, sei apenas que ficou quase um ano na minha lista de “este deve ser o próximo”, mas quando peguei para ler… Que coisa de doido!
Sem querer entregar muito do ouro, A Leitora Mais Crítica da Coluna fez uma comparação bem válida: o livro lembra em vários momentos “Louca obsessão”, de Stephen King, que virou o famoso filme dirigido por Rob Reiner e deu um Oscar de melhor atriz para Kathy Bates.
Na história, a protagonista tem o mesmo nome da autora e é uma escritora bem-sucedida, que alcançou o ápice do sucesso com um livro autobiográfico e polêmico. Todo mundo espera por um novo clássico, mas ela está com algo que vai além do bloqueio: Delphine não só não consegue pensar em uma boa trama como passa a desenvolver uma fobia por qualquer tipo de escrita, a ponto de passar mal e vomitar só de pensar em ligar o computador, tentar responder a um e-mail ou ter que pegar numa caneta para escrever um mero bilhete.
É no meio desse conflito pessoal que ela conhece a misteriosa L., ghostwriter de autobiografias de gente famosa, personalidade forte e que logo impressiona Delphine pelo seu jeito de ser, vestir, como se fosse tudo aquilo que ela deseja ser, mas não consegue. Por isso, L. vai aos poucos se infiltrando na vida da escritora, ocupando todos os espaços numa relação que mistura amizade, obsessão e mistérios.
Assim como em “Eu estou pensando em acabar com tudo”, “Baseado em fatos reais” tem um daqueles finais surpreendentes e que deixam o leitor em dúvida sobre o que é verdade ou ficção na história. No geral, dois dos melhores livros que caíram em minhas mãos em 2020.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.