‘Better call Saul’, a série que é uma obra-prima da TV já no ato da matrícula
Oi, gente.
As ofertas de séries na TV e streaming são tão grandes, mas tão grandes, que é normal começarmos um seriado e, com a chegada de outro mais badalado e/ou do qual somos mais fiéis, acabamos por deixar vários deles pelo caminho. No meu caso, produções recentes como “A serpente de Essex”, “Boneca russa”, “Gaslit” e “Physical” (que ainda não comecei a segunda temporada) ficam no compasso de espera quando têm de competir com “A Casa do Dragão”, “O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder”, “Rick and Morty”, “Mulher-Hulk”; mas, principalmente, não têm chance de concorrer com essa obra-prima do audiovisual chama “Better call Saul”, cuja sexta e última temporada teve o series finale em agosto, pela Netflix.
Quando foi anunciada anos atrás como um spin-off da igualmente genial “Breaking bad” (2008-2013), confesso que fiquei na dúvida se deveria levar fé numa série que teria como protagonista Saul Goodman (Bob Odenkirk), aquele advogado picareta, inescrupuloso, desprovido de qualquer moral e bom-gosto estético. Será que valeria a pena acompanhar o que imaginei então, que seria um programa sobre um advogado envolvido apenas em esquemas para passar e perna em pobres incautos e levar a grana deles?
Pois não só estava errado sobre a trama de “Better call Saul” (BCS), como ainda bem que acreditei que Vince Gilligan e Peter Gould (a dupla por trás de “Breaking bad” e “BCS”) não nos decepcionariam. Sim, nosso protagonista continuava com a moral questionável, era capaz de aplicar os golpes mais rasteiros e ordinários, mas a produção teve sucesso em mostrar não apenas como Jimmy McGill (seu nome original) acabou por se tornar o inescrupuloso Saul Goodman, como também deu a ele a tridimensionalidade e humanidade que não podiam ser desenvolvidas em “Breaking bad”, visto que ele não era um dos personagens principais.
Como este espaço é minúsculo frente a tudo o que poderíamos escrever sobre a série, vamos tratar apenas da última temporada. Com 13 episódios divididos em duas partes, o derradeiro ano de “Better call Saul” é uma verdadeira aula de fazer televisão. É nesta sexta temporada que temos a confirmação de como Gilligan e Gould são magistrais para amarrar todas as pontas soltas da série, recorrendo a objetos, eventos e diálogos de temporadas passadas (é difícil pegar todas as referências de imediato), ao mesmo tempo em que temos um show de direção, fotografia e ângulos de câmera que dão de 7 a 1 em muito filme de Hollywood. Sobre as pontas soltas, merece ser aplaudido de pé como “Better call Saul” entrega os desfechos das trajetórias de seus personagens em episódios que são espetáculos em termos de narrativa.
“Better call Saul” também merece o rótulo de clássico audiovisual de nosso século pelas participações magistrais (estou cheio dos adjetivos rebuscados hoje) de novos e antigos nomes do universo surgido a partir de “Breaking bad”, como Giancarlo Esposito, Tony Dalton, Jonathan Banks, Michael Mando, Patrick Fabian, Michael McKean e Mark Margolis. Mas, certamente, Bob Odenkirk e Rhea Seehorn, que interpretou Kim Wexler, são os pilares da série: repetindo o papel de Saul Goodman, o ator teve de encarar o desafio de desenvolver todas as nuances desconhecidas de seu personagem, enquanto a atriz foi o par perfeito (ou seria cúmplice?) do personagem, com uma Kim Wexler que ficava na corda bamba entre a advogada ética e competente – e que por ser mulher tinha que demonstrar o dobro de competência dos homens – e a anti-heroína que aceitava participar – e às vezes até incentivava – os planos de seu parceiro.
Em um mundo em que séries como “Sopranos”, “The Wire”, “Mad Men” e “Black mirror” são celebradas como obras-primas da televisão, “Better call Saul”, assim como “Breaking bad”, merece seu lugar entre os clássicos do audiovisual deste século.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.