Eu (quase) não entendi “Dark”
Oi, gente.
Terminamos de assistir a “Dark”, a chamada “série alemã da Netflix”, e olha… Que surpresa positiva saber que ela virou um fenômeno da cultura pop, bem no estilo “Lost”, mas sem o final safado da produção americana que fez muita gente passar raiva e/ou ter entendido errado – NÃO, ELES NÃO ESTAVAM MORTOS DESDE O INÍCIO. Entendendo errado ou não, todo mundo ficou P da vida de qualquer forma.
Cãofesso – como diria o Imperador Django – que não sabia que havia tanta gente a acompanhar a saga da turma teutônica, com geral na internet comentando a série, compartilhando memes, assistindo a vídeos que tentavam explicar tudo, fazendo anotações, montando árvores genealógicas, já deve ter até tese de mestrado a respeito.
Afinal, a criação da dupla Baran bo Odar e Jantje Friese renderia uma versão 2020 de “Eu não entendi Matrix”, do Gangrena Gasosa (uma das maiores músicas brasileiras de todos os tempos, eu sempre digo isso, ouçam). Vamos lá: a história se passa em uma cidadezinha da Alemanha onde somem uns pivetes, um deles entra numa caverna e volta ao passado só para virar corno do próprio pai e ter um filho que vai se apaixonar pela tia; um monte de gente entra nessa mesma caverna só para voltar a algum ponto do passado (ou do futuro), ficar preso por lá e depois reencontrar suas versões mais novas ou mexer com quem não devia; ou ir para o passado ainda mais distante para casar com alguém do futuro (mas que ainda seria o seu passado, é complicado assim mesmo) e ter filhos que vão criar toda uma linhagem que não deveria existir.
Tem mais, calma aí: encontrar no passado a sua versão mais velha, ou viajar para o futuro e encontrar sua versão mais nova, mas de qualquer forma tanto o seu “eu” mais velho quanto o mais novo vão te dizer para fazer algo que a versão mais nova ou mais velha disse que você não deveria fazer. E a melhor de todas: a mãe que era filha da própria filha, então a filha era mãe da própria mãe. Acho que era isso, pelo menos foi o que entendi.
Confuso, não? E a gente ainda achava que encontrar o Desmond na escotilha da ilha de “Lost” era o ápice do lance misterioso das séries de TV.
A verdade é que a turma que começou a assistir a “Dark” desde o seu ato de matrícula na Netflix, lá em 2017, não imaginava que teríamos uma série com uma trama tão confusa no sentido de intrincada. Ela é cheia de mistérios e tramas que percorrem nada menos que três séculos e com dúzias de personagens importantes, aforismos, questões filosóficas, elementos de sci-fi, relacionamentos complicados, pegação generalizada e ciência em estado puro. – do tipo discutir o “Gato de Schrödinger”, o Bóson de Higgs (a tal “partícula de Deus”) e o Paradoxo de Bootstrap.
“Dark” foi ganhando camadas de mistério, plot twists, novas tramas, novos personagens e tantos outros detalhes que a temporada final chegou com a expectativa de todos a milhão. E, para desespero da galera, parecia em determinados momentos que o final seria decepcionante. Porque era um tal de morrer gente, surgirem novos mistérios aos 40 do segundo tempo, gente pulando de uma linha temporal para outra e aí a gente chegava a se perder sobre quem era quem e era um monte de fala expositiva no estilo Christopher Nolan e mistérios que foram esquecidos pelo roteiro – como o do chefão de usina nuclear de Widen, onde se passa a história, mas é sempre bom, porém, ter aquele misteriozinho não esclarecido para criarmos nossas teorias.
Quando o penúltimo episódio terminou, confesso que perdi um pouco da minha fé, parecia que a “maldição de Lost” tinha caído sobre a série, mas aí veio o episódio final e eu fiquei “caraca, que negócio louco e sensacional e surpreendente que explodiu minha cabeça”. A resolução do mistério, digo com toda sinceridade, é meio capenga (“’epifania’ deus ex machina” da personagem???), mas me deixou de queixo caído por motivos que não posso explicar sem entregar spoilers. Digamos que todas as comparações feitas com “Matrix” se justificam, e aí você reflete a respeito do trabalho que os criadores tiveram para elaborar todo esse universo e perdoa as pequenas e eventuais falhas no roteiro e os lances que foram deixados de lado.
“Dark” é, por definição simplista, uma série de ficção científica, mas por trás de todo o papo científico temos uma história sobre o amor e perda das pessoas amadas, mais especificamente a fase do luto que chamamos de negação, e suas consequências para nossas vidas e daqueles ao redor. São esses os sentimentos que descobrimos, ao final, que impulsionaram todos os dramas e mistérios. Sempre que penso a respeito do final de “Dark” – o que tenho feito direto desde o último sábado -, surge uma nova dúvida, pergunta, uma nova descoberta e novos motivos para refletir sobre a história. A cena final, por exemplo, é de uma simplicidade desconcertante se pensarmos no quanto ela muda toda a realidade que pensávamos existir; e por isso mesmo nos dá a certeza que Baran bo Odar e Jantje Friese criaram uma das séries mais complexas e surpreendentes da história da TV.
A série, definitivamente, fez história, mesmo que seja complicada pra diabo de entender. Quem sabe a Gangrena Gasosa compõe “Eu não entendi Dark” e ajuda a galera.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.