Serendipidade
Criar surpresas é algo difícil. Há sempre alguma pista que fica no caminho e pode colocar tudo a perder. Geralmente, o vacilo é lido rapidamente e acabou. Não deixa de ser divertido, não deixa de cumprir a função a que se destina, no entanto, frustra as expectativas. Não sou muito bom em fazer surpresas. Acho que a essa altura, nem é preciso ter pistas para saber que algo está para acontecer. Como elas se tornaram frequentes, em datas celebrativas especialmente, perderam um pouco aquela aura de algo que nunca foi visto antes pelo homenageado.
Há outro tipo de surpresa que me atrai um pouco mais. Não se trata de grandes acontecimentos, ou coisas que causem um grande impacto. Elas estão mais ligadas às coincidências, ou algo que não poderia ter sido cogitado antes dentro da rotina. Sempre que acontece, me causa um certo arrepio e me faz ver que tem algo a mais em um plano sensível.
Na última semana, lia uma história de uma pessoa que fez uma descoberta totalmente ao acaso. Um belo dia acordou, começou a se organizar e, em dado momento, algo novo e completamente inexplicável aconteceu. Ele teve uma ideia e inventou uma coisa incrível a partir dela.
Quantas são as narrativas que seguem esse mesmo fluxo? Mas aquela situação contida no texto me ensinou uma palavra que, em quase três décadas de vida, nunca tinha ouvido: serendipidade. Na hora, não dei muita atenção, passou batido.
Mais tarde, fiz uma entrevista com uma pesquisadora. Durante a nossa conversa, ela novamente utilizou a palavra serendipidade. Assim que desliguei o telefone, minha primeira reação foi buscar o significado da expressão. A definição era objetiva e falava que aquele é o ato de descobrir coisas agradáveis completamente ao acaso. O que, para ela e para a equipe dela, foi a oportunidade de uma grande e relevante invenção.
Mas também foi uma (ótima) surpresa para mim. Assim como eu descobri uma palavra deliciosa, com um significado ótimo, também encontrei muitas outras coisas, completamente ao acaso. De grandes amizades a bons livros. Filmes inequecíveis, que assisti depois de não ter encontrado nada nos streamings que eu realmente quisesse assistir. A inauguração de um café, do qual fiquei sabendo de maneira aleatória e, até mesmo, um restaurante ótimo, que fica em um lugar um pouco escondido, no qual entrei sem qualquer pretensão.
A serendipidade, agora, não sai mais do meu vocabulário. Mas a surpresa, prefiro deixar encostada um pouquinho, até porque ela também pode ser uma pedra no sapato, como quando o gás acaba na última semana do mês ou o chuveiro queima no meio do banho. Espero que coisas agradáveis continuem acontecendo, naturalmente, e despertem algo que nos faça sentir que há, de fato, muitas coisas que fogem ao que somos capazes de explicar.
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