É simplezinho, mas é de coração
Escrevi “Feliz Natal” com uma cola de alto relevo vermelha velha em um pequeno papel dourado, em formato retangular, com menos de cinco centímetros de comprimento por menos de três de altura. Sem muita firula, colei com um pedaço de durex aquela pequena etiqueta em um pacote grande, vermelho, meio metalizado. O cartãozinho improvisado parecia ainda menor no canto superior do embrulho, mas fechava a lembrancinha com muito carinho. Dentro, o presente de Alice: meia dúzia de apetrechos, que imitavam instrumentos médicos. Estetoscópio, seringa, máscara, uma maletinha, touca com uma cruz vermelha desenhada e, se não falha a memória, um jaleco.
Na época com 6 anos, ela ainda não lia de tudo como faz agora, precisava de ajuda. Quando fomos trocar presentes, ela arregalou os olhos quando viu aquele pacotão vermelho. Mas para a nossa surpresa, o que chamou a atenção dela foi justamente a etiqueta. “Mãe, ele fez essa etiqueta para mim”, disse ela, com a respiração ofegante de tanto pular. Ela perguntou o que estava escrito e ficou segurando o pedaço de papel por um tempo. Embora não tenha como saber o que passou pela cabeça dela ao ganhar o presente, sei que ela entendeu perfeitamente a intenção.
Quando preciso presentear alguém, gosto de pensar em como a pessoa gostaria de ser presenteada. Me esforço para buscar em algum objeto, ou alguma ideia, algo que a possa contemplar seus gostos, necessidades ou que possa provocar um sorriso, dentro das minhas possibilidades. Dar presente, para mim, sempre envolve pensar na pessoa, observar seus gestos, seus gostos, sua forma de se colocar. Dedicar tempo, colocar afeto. Nem sempre é possível entregar o que a gente gostaria, mas quando acontece, e a reação é legal, vale muito a pena.
Naquele dia, no entanto, entendi mais profundamente que todo esse apelo comercial do Natal é muito pequeno diante do que se pode mobilizar além da data. No dia seguinte, encontrei Alice novamente. Ela estava com uma caixa de sapatos na mão. Me entregou com a mesma ansiedade que recebeu o presente dela no dia anterior. A caixa estava toda desenhada com corações. Dentro dela, uma curadoria de objetos: um óculos de fantasia de Carnaval verde; uma impressão do Chico Bento em um material parecido com E.V.A; a imagem de uma personagem devidamente ornamentada para uma festa junina; uma capinha de celular antiga e desenhos feitos pela própria Alice.
Com precisão, ela conseguiu descrever perfeitamente boa parte dos meus gostos. A avó dela me disse: “Ela saiu colocando um monte de lixo dentro dessa caixa, eu não entendi nada. Por favor, não repare!”. Fui obrigado a discordar e explicar o porquê daquela caixa ser um tesouro. Fiquei muito impressionado em como a pequena não só tinha entendido o que eu queria transmitir a ela, com um simples cartão, como retribuiu com um gesto grandioso. Minhas festas favoritas representadas, o personagem mais querido, minha profissão, meu hobby e o carinho dela. Tudo isso sem eu precisar dizer uma palavra. Ela conseguiu acessar o significado exato do afeto que está por trás da frase que eu costumo dizer quando entrego uma lembrancinha a alguém: “É simplezinho, mas é de coração”. Me restou ficar derretido para o resto da vida.