Só precisa ser doce
Estava concentrado em meus afazeres quando o silêncio no ambiente foi quebrado por uma amiga de trabalho. “Alguém tem um docinho aí?”. Vasculhei a mochila, já sabendo que não encontraria nada, por não ter o costume de carregar nada açucarado comigo. Mas diante da necessidade expressa, todos os esforços me pareceram legítimos. Assim como eu, as outras pessoas que ouviram o pedido também se agitaram para atender o desejo gustativo dela, frustrando completamente suas expectativas.
Todo mundo ali sabia exatamente o que estava pegando, embora ninguém tenha dito nada a respeito. Qualquer dia, no meio do nada, algo no corpo te faz sentir a necessidade de ter algo doce entre os dentes. Não interessa muito o que. Pode ser bala, doce de fruta, de amendoim, chocolate, qualquer coisa. O corpo clama por um doce e te faz ficar com o pensamento fixo em algo que atenda a esse querer. Importante observar que a vontade desesperada por um doce não precisa ser em grande quantidade, sem exageros ou compulsão. Só precisa ser doce.
Essa é uma necessidade que se manifesta quando menos esperamos e, geralmente, quando não há nada com açúcar por perto. Até quem tem o paladar com mais afinidade com o salgado, vez ou outra, se vê procurando um docinho. Não tem relação sobre o gosto por doces, que eu descobri há pouco que começa já no útero da mãe. Por lá, o doce é um dos primeiros sabores e o preferido. É sobre precisar de doçura, que apesar de ser ofertada o tempo todo, por todo lado e também vir velada por trás de informações pouco esclarecedoras em rótulos feitos para nos confundir, está em falta em outro tipo de mercado.
Fato é que para muita gente os últimos meses têm sido muito amargos. Sem muito tempo para descanso. Mal demos conta de digerir o bode da última dificuldade, já estamos mandando goela abaixo outra notícia indigesta. O brasileiro não tem tido um dia de paz e isso faz com que se perca o apetite mesmo. Até porque ir às compras, principalmente de alimentos, dá azia até mesmo nos estômagos mais fortes. E temos a impressão que esse mal-estar deve perdurar até para os mais otimistas. Ainda que o copo de água seja visto meio cheio, não tem como não se sentir confortável dentro dessa panela de pressão.
Enquanto a receita não melhorar, o jeito vai ser continuar lidando como for possível com a nossa carência de doçura. Procurando tornar um pouco mais doces as vidas das pessoas que nos atravessam. Quando não der com um alimento físico, que seja com palavras, acolhidas ou abraços, como uma paçoca, que maçarocada, abraça a nossa língua. Depois dessa pergunta, que tirou do silêncio uma provocação, vou passar a andar ao menos com uma balinha esquecida na mochila. Hora dessas, quando for solicitado, com açúcar e com afeto, não deixarei faltar doce.