Um bebĂȘ na vida delas
Em uma escola do ensino fundamental do interior do Rio Grande do Sul, o nĂșmero de casos de gravidez precoce tocou uma professora. Em um ano, dez meninas, algumas de apenas 12 anos, ficaram grĂĄvidas. Uma delas era sua aluna. Angustiada diante do presente dessas estudantes e do futuro dos filhos que elas colocariam no mundo, a educadora pensou em formas de conscientizar os adolescentes do colĂ©gio sobre as consequĂȘncias de suas escolhas. Mas como mobilizar meninos e meninas de maneira efetiva? Foi entĂŁo que ela resolveu dar vida a uma ideia que nasceu do desejo Ășnico de ajudar os alunos.
Em uma segunda-feira, a professora chegou ao colĂ©gio com 30 bonecas de pano. Todas nuas. Na sala de aula, entregou uma boneca para cada estudante, inclusive os meninos, batizando o projeto de “Um bebĂȘ em minha vida”.
– A partir de hoje, vocĂȘs terĂŁo que cuidar desses bebĂȘs.
Diante do olhar de espanto da turma, ela explicou que o projeto duraria um mĂȘs. Nesse perĂodo, cada estudante teria que se responsabilizar integralmente pelo seu novo filho. E nĂŁo valia enrolação. Eles começariam escolhendo em casa uma roupa para agasalhar a criança que ficaria sob os cuidados dos adolescentes. AlĂ©m de roupa,  teriam que providenciar um nome, alimentação, trocar fraldas a cada trĂȘs horas e garantir que cada recĂ©m-nascido estivesse em segurança. No começo, os alunos acharam que tudo aquilo era uma pegadinha. Com o tempo, descobriram que nĂŁo era.
Aos poucos, outros professores foram aderindo voluntariamente ao projeto. O de matemĂĄtica passou a fazer cĂĄlculos sobre o custo de um bebĂȘ com fraldas. E se a mĂ©dia diĂĄria Ă© de dez fraldas descartĂĄveis ao dia, no final de um mĂȘs, o gasto com elas chega a R$ 400. Em um ano, o “rombo” Ă© de quase R$ 5 mil.
– Cinco mil? Puxa, eu nĂŁo vou ter filhos, gritou um menino do fundo da sala com o seu rebento de pano no colo.
A professora de ciĂȘncias tambĂ©m envolveu-se com a ideia e passou a falar para os alunos a respeito das doenças que afetam a infĂąncia brasileira, explicando os riscos da desnutrição infantil. Em duas semanas, nĂŁo sĂł a escola havia aderido Ă iniciativa, mas os pais dos adolescentes tambĂ©m. Em casa, algumas mĂŁes acordaram seus filhos de madrugada.
– Marina, corre lĂĄ, minha filha, porque seu bebĂȘ estĂĄ chorando.
– MĂŁe, nem vem, sĂŁo trĂȘs horas da manhĂŁ!
– Mas o bebĂȘ Ă© seu e precisa de vocĂȘ.
O trigĂ©simo dia chegou, marcando a separação dos alunos de seus rebentos. Alguns poucos nĂŁo quiseram devolver os filhos de pano. EntĂŁo, a professora resolveu montar um jĂșri para avaliar quem merecia ter a guarda provisĂłria dos bebĂȘs. O julgamento foi duro, afinal, alguns dos candidatos a pais eram suspeitos de negligĂȘncia. Esqueceram seus filhos ao sol, no recreio, e tambĂ©m da hora da mamada. O menino eleito o pior pai pediu uma chance.
– Mas por que vocĂȘ deseja ficar com sua filha?, perguntou a professora que começou tudo aquilo.
– Porque quero tentar ser para ela o que meu pai nunca foi para mim.
Respostas assim surpreenderam a professora. Na avaliação do projeto, ela queria saber qual foi o melhor momento daquela repentina maternidade.
– Foi quando a minha mĂŁe me acordou de madrugada para cuidar da boneca, disse uma menina de 12 anos.
– Mas o que vocĂȘ achou de bom nisso?
– Foi a primeira vez que eu e minha mĂŁe ficamos meia hora conversando, respondeu a garota.
Um ano depois do nascimento do projeto, nenhuma aluna da escola engravidou. Mais do que interferir na realidade de vulnerabilidade dos estudantes, aquela professora mudou a percepção deles sobre direitos e responsabilidade. Mudou ainda a escola, as famĂlias, a cidade. Ao superar a indiferença que atinge a juventude pobre e se envolver com o drama de seus alunos, a professora ensinou uma lição poderosa: nada Ă© mais revolucionĂĄrio do que o amor.