Déficit ou dificuldade no aprendizado?
Como saber a hora de procurar ajuda para o filho?
Georgia (nome fictício) é uma adolescente que nunca apresentou dificuldade na compreensão dos conteúdos tampouco na realização das tarefas escolares e sempre foi elogiada pelos professores pela sua postura ética e inteligência. Mas estava tirando notas muito ruins. Os docentes e a família não entendiam o porquê do seu desempenho estar tão aquém à sua capacidade. Ela cursava o 7º ano do ensino fundamental e demonstrava interesse, disciplina e empenho, apesar de não conseguir render nas provas. Georgia estudava na escola pela manhã e depois do almoço saía para suas “outras atividades” ( inglês, ginástica ou fonoaudióloga); chegava em casa quase à noitinha, cada dia em um horário diferente. Depois de tomar banho, lanchar e conversar com a família, Georgia ia (tentar) estudar.
Mauro (nome fictício) é um rapaz que estava cursando o último ano do ensino médio e se dedicava integralmente ao vestibular. Sua rotina se resumia em estudar no cursinho – aulas pela manhã e à tarde -, inclusive aos sábados, dias de simulado. Quando chegava em casa, por volta das 19 horas, retomava os estudos, mas o cansaço o levava ao sono e ele se culpava por isso. Nos finais de semana costumava ficar em casa estudando ou fazendo aula particular. Suas notas não eram suficientes para o ingresso em uma faculdade pública, apesar de toda dedicação.
As duas famílias procuraram um especialista – psicopedagogo – para maior entendimento e orientação. O diagnóstico clínico realizado com Georgia e Mauro deixou evidenciado que ambos estavam com dificuldades em relação à aprendizagem, ou seja, existiam fatores exógenos (externos) que impediam o livre desenvolvimento do potencial de cada um.
Georgia, por exemplo, não tinha uma rotina de estudo: quando chegava em casa, quase à noitinha, e se propunha a estudar, seu corpo já estava cansado do esforço físico e mental realizado durante todo o dia. Apesar do seu interesse e determinação, não conseguia assimilar o conteúdo porque a mente e o corpo estavam sobrecarregados. Hoje, com a criação de novos hábitos, Georgia descansa (meia hora) depois do almoço e inicia uma rotina de estudo planejada antecipadamente e com indicações precisas de como estudar, segundo sua modalidade de aprendizagem. Todas as atividades extracurriculares foram remanejadas para depois das 16 horas. Pequenas mudanças geraram grande repercussão no seu desempenho acadêmico. Georgia não precisou continuar na psicopedagoga porque não apresentou déficit pedagógico, tampouco cognitivo, apenas uma dificuldade na distribuição inteligente do tempo.
No caso de Mauro, a falta de autonomia intelectiva e equilíbrio acarretaram um estresse, obstaculizando a capacidade retentiva. Certa vez ele desabafou: ”eu não tenho vida, só estudo!”. A maratona de aulas sobrecarregou sua mente com tanta informação e pouco resultado efetivo.
Para ter sucesso no vestibular é necessário constância, equilíbrio na vida particular (onde todas as áreas precisam ser atendidas) e aprender a estudar/pensar/deduzir/inferir sozinho, dedicando, assim, mais tempo ao estudo individual do que à atividade receptiva da sala de aula. É função do professor mediar e conduzir o raciocínio do aluno, oferecendo os “macetes”, o conteúdo “mastigado”, cabendo ao aluno ouvir e copiar e memorizar e reproduzir corretamente; ao passo que o estudante que “cultiva” uma autonomia intelectiva dedica muitas horas ao estudo individual, desenvolvendo, assim, a autopercepção, a autorregulação, a concentração, a flexibilidade mental, a capacidade de lidar com imprevistos e buscar soluções, analisar a melhor resposta e os dados relevantes… Pesquisas comprovam que cerca de 30% dos candidatos aprovados apontam seu sucesso no plano de estudo individual, na rotina pré-programada e no enfrentamento/preparo da pressão do vestibular.
Algumas orientações dadas ao Mauro ajudaram-no a passar para a universidade pública tão desejada:
- Descobrir sua modalidade de aprendizagem para criar estratégias de estudo, percebendo sua capacidade, horários mais produtivos e melhores meios/recursos.
- Viver a alegria e a descontração próprias das saídas com colegas nos finais de semana (sem excessos) e o suor e liberação da “energia acumulada” nas atividades físicas/jogos/brincadeiras.
- Montar um plano prévio, individual e diário de estudo, contemplando duas a três matérias por dia com intervalos de 15 a 30 minutos entre elas para descanso. Esse exercício favorece o aproveitamento do tempo e das energias internas porque os pensamentos já estão “pensados”/”disciplinados”.
- Organizar o espaço físico com o material próprio, longe de elementos distratores (celular, televisão, jogos, etc)
- Estudar significa ler e fazer resumos mapas mentais/esquemas sempre escritos em um caderno próprio, refazer/fazer exercícios/simulados. Os neurocientistas afirmam que o ato de escrever envolve mais áreas do cérebro, facilitando a aprendizagem e a assimilação.
- Simular, quinzenalmente, uma situação de avaliação, criando o mesmo ambiente da prova e dentro do mesmo espaço de tempo. Esta é uma forma de condicionar o corpo àquela vivência de pressão e limitação.
- Praticar atividade física regular. Um estudo realizado na British Medical Journal mostra os efeitos benéficos do exercício no cérebro.
- Pensar acontece nos momentos de alegria. Só conseguimos aprender produtivamente quando estamos bem e felizes. É importante planejar atividades nos finais de semana com amigos, “tirar uma soneca” quando o corpo estiver muito cansado ou tomar um banho quentinho mais demorado; preencher a vida com coisas que dão prazer.
Ajudar os filhos nas questões da aprendizagem requer, primeiramente, dividir com a escola os dramas e dúvidas; assim, juntos,podem dirigir os passos com mais acerto e pensar em intervenções ou encaminhamentos verdadeiramente oportunos.
Cada pessoa vive a angústia própria do conhecer-desconhecer… Descortinar a realidade da dificuldade ou do déficit é causa fundamental.