Sempre dou um jeito de me fazer perceber pelas manhãs. Odeio a solidão da casa enquanto todo mundo dorme. Aquele silêncio em que consigo ouvir meus próprios passos, variando entre os azulejos e os tacos, à espera de que alguém enfim acorde e me acompanhe na sonorização do dia. É que sou a favor da solitude seletiva: só quando quero. Achei que nunca colaria, mas aqui parecem aceitar bem. Aqui minha vontade parece sempre prevalecer.
Chego sorrateiramente ao quarto e esboço um chamado com preguiça. É o suficiente. Logo um par de olhos se abre – mesmo que a contragosto -, invariavelmente numa cara sorridente. Não sei como cheguei a esse status: tirar os outros da cama na hora e do jeito que bem entendo e receber sorriso largo ou bicos estalados em troca. Mas tem coisa que a gente não questiona, só aceita – eu que não sou besta de perder minhas regalias.
Vamos ziguezagueando pelo corredor do apartamento, naquele ventinho frio de um novembro do aquecimento global – que lá pelas nove já foi (ou não). Começo o dia. Começamos, aliás, na cozinha. Vou no meu ritmo caótico e peculiar, revezando desjejum e lentos goles de água – não sei que tanto me olham enquanto mato a sede, mas ignoro, como faço com o que não me interessa.
Quando a casa se recolhe aos seus afazeres, nas telas em que enfiam suas caras, meus chamados não têm a mesma eficácia. Não entendo como essas caixas luminosas conseguem prender esse povo por tanto tempo. Quando me aproximo delas, nada acontece comigo, a não ser quando me sento nos quadradinhos que afundam e fazem surgir símbolos no painel. Talvez eu seja dif… olha, um fone! Vou pegar! Ai, quase! Ai, quase! Peguei! Peguei! Hum, e se eu puser na boc… Affff, guardaram! Também, já estava me dando sono messssszzzzzzz….zzzzzzzzzzzzzzzzzz.
Nossa, anoiteceu já? Meio que acordei aqui com um cafuné, mas não abri os olhos direito, não tenho certeza. Quantas horas devem ter se passado? Umas 12, 13? Um cochilo. Escuto meu nome, mas, mais uma vez, finjo que não o entendo. Ih, não, mas é petisco! Atendo sim, e ainda agradei, voltam os sorrisos, como se atender ao próprio nome fosse grande feito. É bem fácil agradar o pessoal por aqui. Mínimo esforço com máximo de aproveitamento.
Olho para meu banheiro exclusivo e reprovo a limpeza silenciosamente. Mas nem preciso reclamar, vejo que já estão providenciando um serviço à minha altura.
– Você limpou a caixa de areia da gata?
– Ih, esqueci! Vou lá agora!