Slow motion
Estamos todos correndo, multiatarefados, sobrecarregados, exaustos, ofegantes, usando o que sobrou das tripas para fazer de coração – não raramente calejado pelos diversos buracos dessa estrada torta (porém, linda, sim) da vida. Nossas solidões se cruzam nas esquinas enquanto esperamos o invariável louco trânsito de Juiz de Fora dar a vez aos pedestres, e dá tempo para um oi. Um abraço, talvez, 30 segundos de acolhimento, um respiro para retomarmos o passo apressado. Em dias mais tranquilos, dá para bater um papinho leve, “o que você tá arrumando?”, um piadão, um “quanto tempo!”, um “a gente se fala”, um “vamos marcar”. Quase nunca falamos, quase nunca marcamos.
E quase todo mundo que me cerca está nessa. Numa maratona diária de afazeres, com dificuldade de dormir, com dificuldade de acordar, sem tempo. Tempo, tempo, tempo, tempo. Faz um acordo comigo também? Nasci no mesmo dia em que o Caetano, se me der algum benefício de tabela. Trocadilhos (um vício inveterado) e licenças poéticas à parte, fico me questionando em que momento da vida, qual o exato instante em que a gente se permite sair da nossa lista de privilégios e obrigações, e negligencia repetidamente o autocuidado. Não que estejamos (e me incluo na lista) necessariamente mais altruístas e fazendo mais pelo outro, nos preocupando mais em doar algo de bom pro mundo. Basta ver o noticiário para ver que empatia não está na moda – os mais fortes e/ou corajosos (e que obviamente não estão disparando os tiros) chegam até a abrir a seção de comentários, só para depois terem de fazer o esforço de não enlouquecerem.
Dia desses eu estava de folga da redação, porque precisava resolver mil burocracias que não cabem nas minhas 24 horas das quais muitas são úteis – no sentido CLT (RIP) mesmo -, como as de tanta gente. Desemboladas as funções do dia, fui para casa, e meu primeiro pensamento foi o de culpa. Por estar sem uma tarefa, um afazer, por não estar com a menor vontade ou ter ânimo físico para “aproveitar e passar uma vassourinha na sala”. Culpa. Vejo tantos amigos, amigas, conhecidos e semiconhecidos que sentem o mesmo que me assusta um pouco – muito, na verdade. Quem é que enfiou na nossa cabeça que a vida se resume à nossa produtividade, mesmo às custas do adoecimento do nosso corpo e nossa mente? Eu sei, foi o capitalismo. Mas por que nos deixamos levar por esta lógica de estarmos sempre ocupadíssimos, assim, tão facilmente? Sei também, porque precisamos. Mas não é justo.
Não estou falando só de trabalho, que, claro, pra quem não vive de renda (a própria ou usurpada) é necessário e é, sim, parte de quem somos e do que construímos, o que é apenas saudável. Mas a ideia de estarmos sempre com a mente ocupada, pensando sempre na próxima tarefa a ser cumprida, no que ainda falta fazer, nos horários que precisamos cumprir… nos afasta pouco a pouco – ou muito a muito – de nós mesmos, de nossa sanidade e da nossa integridade física. E, sim, é um esforço diário lutar contra isso.
No tal dia de folga, quando me percebi tão culpada por estar livre de afazeres, logo espantei o sentimento: vade-retro! E dediquei umas horinhas a grandes (na verdade pequenos, mas tudo bem) nadas, na companhia de quem mais devo apreciar: eu mesma. Desacelerar a vida para desfrutar de si próprio é fundamental. Desculpem-me pelo tom de guru de autoajuda. Mas eu espero, de verdade, que a gente sempre encontre um momentinho para se dedicar ao desafiante exercício do amor-próprio. Em slow motion.