A vida é quase sempre tão complicada, que vez ou outra é uma glória quando ela resolve esbanjar na didática, com ares de premonição. Lembro-me bem da então presidenta Dilma Roussef discursando o que se tornaria profecia pouco antes do golpe de 2016: “O que está em jogo é o respeito às urnas, à vontade soberana do povo brasileiro e à Constituição (…) O que está em jogo é o futuro do país, a oportunidade e a esperança de avançar sempre mais”. Hoje, batata! Estamos aqui exatamente no lado derrotado do jogo: sem futuro, sem oportunidade e sem esperança.
Tão certeiro quanto foram as palavras de Dilma é o fato de que os ataques que ela sofreu sempre foram carregados de violência de gênero, isto é, pelo fato de ela ser mulher. Em 2016, quando o litro da gasolina custava em média R$ 3,60, pipocaram adesivos em tanques de gasolina com a imagem da então presidenta com as pernas abertas. Uma referência nítida ao estupro, quando se inseria a mangueira de combustível no tanque. Na última semana, o litro da gasolina chegou a ser registrado por absurdos R$ 9 e o mesmo ataque – na época chamado de “protesto” – jamais foi feito a Bolsonaro. Registre-se: ninguém deve sofrer este tipo de violação, mas quando ela é destinada a mulheres, parece ser normalizada.
Como Dilma, mulheres são violentadas simbólica e literalmente apenas pelo fato de o serem. Estão aí, todos os dias, sendo desacreditadas de seus méritos e capacidades, sendo chamadas de vagabundas, virando alvo de piadas de estupro (e dos propriamente ditos) e quando se levantam contra o que sofrem já têm alcunha certa: “louca”, “escandalosa”, “exagerada”, “feminazi”.
Digo com conhecimento de causa, relembrando apenas os greatest hits do que disseram sobre mim como sinal de discordância de minhas palavras: “imunda”, “retardada”, “psicopata” e, fora ameaças e pedidos de que a “inteligência militar me vigiasse”, a alegação de que eu precisaria de “um vibrador do tamanho de um extintor de incêndio”. Falo sobre mim pois é a experiência que conheço, mas a violência esculpida sob medida apenas para mulheres é realidade de qualquer uma de nós. Basta ver os dizeres dos que discordam delas no esgoto em potencial que se tornam as seções de comentários de qualquer ambiente digital.
Nesta semana, mais uma vez Dilma esteve na linha de tiro de ofensas machistas dirigidas a ela e não a seu governo ou sua ação política: “inapetente”, “presunçosa”. Besta que sou, fui gritar no abismo da internet sobre a misoginia explícita do caso e, só para obter uma explicação não solicitada: “Misoginia já é demais, né?”. Não precisa de genialidade ou dotes sobrenaturais para saber que se tratava de um homem tentando me ensinar sobre o que é ou não misoginia.
Como disse no início desta prosa, adoro quando a vida é não apenas didática, mas autoexplicativa.