Desde a primeira vez que ouvi, tenho pavor da expressão “a vida é um sopro”. Tão certa quanto o colapso do Brasil, ela reina em massa nas mídias sociais quando uma morte abala o país inteiro. Não foi diferente com o horror de perdermos a Marília Mendonça, tão jovem, transbordando futuro e tendo percorrido muitas léguas de vida. Quantas Marílias cabem numa lufadinha de ar que sai quando fazemos biquinho?
Entendo o sentido de querer mostrar e fazer valer o tempo em que gastamos nossas solas no planeta. Afinal, a gente passa a vida como se não fôssemos morrer: batemos na madeira, mudamos o rumo da prosa e evitamos pensar na única certeza que temos, a finitude. “Nada na vida é certo, exceto a morte e os impostos”, versa sabiamente um ditado estadunidense, de autoria atribuída a Benjamin Franklin e outros dois – vai saber quem cravou pela primeira vez.
Compreendo também que o luto tem manifestações muito particulares, todas legítimas. Mas sempre me incomodou essa imagem do sopro. Talvez seja um egoísmo de pensar em benefício próprio. Tenho rinite e um discreto desvio de septo, o que defasaria meu fluxo de ar e certamente me encurtaria uns bons anos de vida.
Além disso, em tempos de pandemia não só de Covid-19, mas de produtividade, acho que a ideia do sopro pode levar a gente a um surto neoliberal de querer viver tudo, fazer tudo, preencher a baforada de ar de todo jeito que dá.
Acho possível viver com mais consciência do fim sem se espremer na brevidade que é assoprar – até porque, vez ou outra, existir tem a sutileza de um tornado. A vida é um sopro… não deixe para depois. A vida é um sopro… aproveite sua família. A vida é um sopro… invista na carreira. A vida é um sopro, a vida é um sopro, a vida é um sopro… tá bom, mas posso pegar um fôlego aqui rapidinho?
Talvez seja só hipocrisia de minha parte, e a aversão à expressão venha só do estarrecimento da minha própria finitude escancarada. Em qualquer caso, tenho preferido encontrar sopros de vida nos meus dias – sejam eles brisas ou furacões.