O da manicure
Como típica adolescente dos anos 1990, Carolina tinha começado a fumar meio que de brincadeira. Quando cigarro ainda tinha um ar meio cool, meio rebeldezinho, rebarba da geração James Dean – você sabe, antes da internet as coisas demoravam a chegar no Brasil, ainda mais em cidade pequena. Aí era aquele cigarro de Bali made in sei lá onde, que quando aceso chegava a dar uns estalinhos, tipo microfogos de artifício. Coisa de adolescente.
De tanto encenar, Carolina, quase uma Meryl Streep do tabagismo, virou uma adulta fumante. Flertou com desconhecidos em áreas de fumante. Encontrou companhia no cigarro diante do atraso de amigos. Disfarçou o nervosismo de primeiros dias – de aula, de trabalho, de dates – entre uma tragada e outra. Puxou assunto pedindo isqueiro. Foi fumar só pra ter uma pausa ou contar uma fofoca. Cumpriu – adorando – toda a cartilha social que se desvela aos tabagistas.
Mas quando fez 30, pesou. Já nem tinha mais a compulsão dos vinte e poucos de chegar a um maço por dia, dois em caso de noitada. Não estava ficando mais nova e, ao contrário, sentia que cada caretinha que fumava dava um jeito de aparecer carimbado numa mancha na pele ou numa ruguinha dos lábios superiores. Além disso, faltava ar e sobrava preocupação com um enfarte, um AVC, uma trombose, câncer de pulmão e quem sabe até uma doença que ainda nem se tem notícia. Era, afinal de contas, medrosa. E paranoica. “Será que tô fedendo?” “amiga, eu tô com bafo?” Decidiu parar.
Foi até fácil. Não sentiu falta do antigo companheiro em nenhuma cilada social em que ele pudesse ser a rota de fuga, tampouco o associava com pequenos – ou grandes – momentos de prazer como outros fumantes: pós-sexo, cervejinha, cafezinho. Nada. O problema era a unha. A unha? Sim, a unha.
Carolina nunca foi lá de ter grandes vaidades, embora estivesse sempre com um ar descoladinho e elegante realmente sem esforço – não como esses filtros #nomakeup de Instagram. Mas não abria mão de unhas bem-feitas, coloridas, sempre prontas para modelar um comercial (ou #publi) da Risqué, se fosse o – improvável – caso. Com o tempo, criou o hábito de fumar o cigarrinho do esmalte, naquele momento crucial em que as unhas precisam secar e não se pode fazer mais nada. E nessa, foram alguns anos, com as recaídas fumando “o da manicure”, entre dedos pintados de “vermelho desejo”, “azulcrination”, “cisne negro” e mil outras tonalidades de nomes inadivinháveis.
Essa semana encontrei Carol depois de muito tempo, por acaso. Tomamos um café daqueles que se estende e acaba virando chope. Num determinado momento, foi puxar uma daquelas pelinhas malditas de canto de dedo, irresistíveis à ponta dos dentes e percebi suas unhas sem cor, curtíssimas. Deu uma olhada breve nas mãos e sacudiu a cabeça como quem diz: “dane-se”. Voltamos ao papo enquanto eu disfarçadamente guardava o cigarro a varejo que comprara minutos antes de encontrá-la.