Dia desses, eu estava procurando um presente para Alice, filha dos meus amigos Flávia e Ricardo, que está para chegar, mas deve estar estourando por aí. Comecei a rodar por várias lojas esperando ataques de fofura escolhendo roupa de neném, mas aconteceu justamente o contrário. Fiquei foi “pistola”, “full pistola” que, para quem o IBGE já não chama de jovem como eu, significa estar braba, invocada, pau da vida, enfezada, com sangue “no zói”, virada no capeta, enfim… deu para entender.
Dois dias depois de percorrer várias, várias lojas, ainda não havia encontrado NADA, nenhuma peça dita “para meninas” (notem as aspas) que não reforçasse estereótipos de gênero. Tudo rosa, com laço, com babado, bordadíssimo, volumosíssimo, de princesa, até a roupa com estampa de zebra (preta e branca), tinha uma zebrinha com um BAITA laçarote rosa na cabeça. Não fosse isso, eram bodyzinhos com dizeres trazendo piadinhas intragáveis, como “Cuidado, sou linda, mas papai é bravo!”. Nas araras destinadas “aos meninos” (aspas, de novo), estampas de heróis, de várias profissões, de aventuras, de bichos sem enormes fitas rosadas na cabeça.
Não me entendam mal: nada tenho contra vestidos-bolo, tiaras, babadinhos, cor-de-rosa e frufrus, e algumas bebezinhas chegam a fazer meu útero dar pontadas vestidas assim. E sim, eu poderia ter escolhido um presente da seção dos meninos, porque roupa não tem gênero (inclusive o fiz, e comprei um moletonzinho azul-marinho com dizeres, em rosa, “Let’s go to Havana”, piada imperdível). Mas a questão não é esta.
Chamem-me de chata, radical, feminazi ou o diabo, mas é muito sintomático que, literalmente desde o berço, tenhamos nossos papéis sociais tão limitados, amordaçados, reduzidos, predeterminados: podemos ser lindas, bibelôs humanos ou a posse de alguém. Se papai é bravo, precisa é de terapia. E o ato de tascarem “meninas” sobre uma seção que é monocromática – ou “monorrosática” – e monotemática (seja impecavelmente bela sempre, e para sempre) diz muito sobre como a sociedade vê as mulheres e seus direitos. Minha saga terminou com o moletom e um parzinho de tênis de cano alto. Branco. Parece que, se não for pra ter a cor que querem que meninas tenham, tiram-nos todas as outras.
Mas talvez nem tudo esteja perdido. Outro dia passei correndo numa loja de departamento, estiquei o olho na seção infantil e estava lá, bem lindona, uma jardineira jeans, tanto na seção de “meninos”, quanto na de “meninas”. Ainda temos um longo caminho a percorrer na igualdade de gêneros, mas naquele dia, confesso, fiquei bem menos pistola (talvez um porrete ou bodoque, porque é preciso estar atenta e forte).