Turismo irregular em Ibitipoca prejudica captação de recursos para infraestrutura
Região ainda tem poucos prestadores com Cadastur, cadastro obrigatório para controle do Ministério do Turismo
Em Lima Duarte, município 60 km distante de Juiz de Fora, 17% do total de trabalhadores formais atuam na área do turismo. A região é conhecida por suas atrações naturais e é um dos destinos mais procurados de Minas Gerais. A cidade abriga o Parque Estadual do Ibitipoca, localizado no Distrito de Conceição do Ibitipoca. Em maio deste ano, o uso público do parque passou a ser administrado pela iniciativa privada. Um dos objetivos da Parquetur, empresa vencedora da concessão, é aumentar o número de visitas à unidade de conservação e, consequentemente, ao distrito.
O incremento do turismo, que cresceu exponencialmente nos últimos anos, gera consequências para a comunidade local. A falta de infraestrutura e segurança é uma delas. O Distrito de Conceição do Ibitipoca, segundo informações da Prefeitura de Lima Duarte, possui 1.191 moradores. No entanto, o número de visitantes que a região recebe por mês é seis vezes maior. São aproximadamente 7.500 pessoas que visitam o Parque Estadual mensalmente, de acordo com dados do Instituto Estadual de Florestas.
Para atender toda essa demanda, cresce em Ibitipoca a abertura de hospedagens e serviços destinados aos visitantes. São agências, ofertas de passeios em quadriciclos, veículos 4×4, roteiros que visam aproveitar as belezas da região para além da unidade de conservação. No entanto, muitos deles ainda não são regularizados.
À Tribuna, a Prefeitura de Lima Duarte informou que, em Conceição do Ibitipoca existem 206 estabelecimentos cadastrados e com alvará de funcionamento para oferecer serviços turísticos, entre bares, restaurantes, hotéis e pousadas. A Prefeitura ainda afirmou que realiza semanalmente a fiscalização desses estabelecimentos, feita pelo setor de fiscalização da Fazenda e Tributos do Município, em obediência ao código de posturas.
Já no site do Ministério do Turismo é possível consultar 29 prestadores com Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur), obrigatório para meios de hospedagem, agências, transportadoras turísticas, guias, organizadores de eventos e acampamentos. No entanto, através de buscas em plataformas de reserva, a reportagem encontrou mais que o dobro de hospedagens disponíveis, como pousadas, chalés e casas de temporada.
Estabelecimentos que deveriam ter o Cadastur, conforme estipulado pelo Ministério do Turismo. No site fica especificado que empreendimentos, “independente de sua forma de constituição”, destinados a prestar serviços de alojamento temporário mediante a cobrança diária deverão ter o cadastro regularizado junto ao órgão federal.
Regulamentação significa mais verba para Ibitipoca
Conforme o consultor turístico e gestor do circuito Serra do Ibitipoca, Marcio Lucinda, a regulamentação desses serviços é necessária para que Conceição do Ibitipoca possa pleitear verbas que vão melhorar a infraestrutura da vila. “O Cadastur é uma forma de o Ministério do Turismo ter um controle do número de empreendimentos turísticos dentro da federação. Ele é muito importante para formulação de políticas públicas que visam melhorar o desenvolvimento da atividade turística nos municípios e nas regiões. O empresário que não faz o Cadastur está infringindo a lei e está cometendo um desserviço ao desenvolvimento do turismo na sua própria localidade.” Conforme explica, o controle é importante caso o Ministério do Turismo realize uma análise da economia formal do município. “Se ele concluir que existem poucas empresas com Cadastur, vai entender que aquela região não precisa de investimento no turismo e consequentemente não vai destinar recursos.”
Cadastur é de graça
Conforme Márcio, muitos empresários do turismo não fazem o Cadastur com medo de ele gerar uma cobrança adicional, de impostos ou um valor para emissão. No entanto, o cadastro é gratuito e não gera aumento na tributação. Ele deve ser feito de forma digital através do site www.cadastur.turismo.gov.br. Para além das empresas que são obrigadas por lei, outros estabelecimentos como restaurantes, bares, cafeterias e similares também podem emitir o certificado de forma facultativa. Para os estabelecimentos que não possuírem o Cadastur, as penalidades vão de multa a partir de R$ 350 até interdição do local.
Irregularidade em Ibitipoca
Em Ibitipoca, outro serviço que sofre com a irregularidade é o transporte. Por ficar a 26 km de Lima Duarte, em uma estrada na qual boa parte não possui pavimento, o traslado irregular até o distrito também é muito comum. O turista chega à região central do município e contrata um motorista para subir a serra. O valor desse tipo de corrida fica em torno de R$ 200. De acordo com um morador de Lima Duarte, que presta serviços de transporte, cobrar “por fora” é a única forma de ter vantagem no trajeto. De acordo com ele, os aplicativos de corrida mal funcionam na cidade, e a cultura de pedir uma corrida por WhatsApp já está entranhada.
O transporte em roteiros turísticos no entorno do Parque Estadual também acontece sem fiscalização e sujeito a irregularidades. O guia e proprietário da agência Sauá Turismo, Gabriel Fortes, afirma que é comum ver estabelecimentos que se dizem agências turísticas oferecendo passeios, inclusive com menores de idade conduzindo veículos. “É muito sério o que está acontecendo em Ibitipoca. Se depois acontece um acidente, fica generalizado como se todo o turismo daqui fosse irregular. Sendo que existem pessoas que levam a sério, com capacitação, documentos em dia e responsabilidade com o turista.”
Gabriel explica que o prestador que deseja oferecer esse tipo de serviço necessita seguir a Lista de Normas Técnicas no Turismo de Aventura, vinculada à Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). “Existe regulamentação para condução de veículo 4×4, veículo para condução de trilha, regulamentação para canoagem, para tudo. E, em Ibitipoca, a maioria nem imagina o que são essas normas.”
Para ele, a principal falha é a ausência de fiscalização do Poder público. Com isso, o número de prestadores irregulares de turismo só aumenta, o que prejudica a economia como um todo. “Eu pago alvará, taxa, meus impostos, tenho Cadastur, e qualquer um pode chegar e falar que é agência? É muito desleal. Quantas vezes, depois de 28 anos trabalhando com turismo, eu já pensei em desistir por causa disso.”
Irregularidade gera crise de competitividade nos preços
A competição desleal na oferta de serviços turísticos afeta diversos setores em Ibitipoca. No de hospedagem é possível ver de forma mais clara. A vila conta com pousadas regulamentadas, com CNPJ e alvará do município, mas há casos no qual o proprietário apenas constrói mais quartos em seu terreno e oferece os chalés para aluguel de temporada. Conforme donos de pousadas ouvidos pela Tribuna, isso tem gerado uma crise no preço, com ofertas muito baratas na internet que inviabilizam a competição.
De acordo com o proprietário da pousada e bar Diógenes, Felipe Mattos, o que permite que essas pessoas ofereçam preços tão baixos é justamente a irregularidade. “Aqui em Ibitipoca, pouquíssimos trabalhadores são regulares, com carteira de trabalho assinada. Tem turistas que procuram a gente para fazer comparação de preço. São preços absurdos. A pessoa pega e faz um valor de R$ 30 por pessoa em uma diária. Infelizmente a gente não tem como arcar com isso, é inviável. Se você paga seus impostos, seus funcionários dentro da lei, tudo direitinho, não tem como bancar.”
A prática, segundo ele, também prejudica no controle de leitos por parte da Prefeitura de Lima Duarte, algo que seria essencial para demandar obras de infraestrutura na vila. “Ibitipoca no feriado ocupa por volta de 5 mil leitos. Se a gente projetar 2 mil regularizados ainda acho que é muito. Um distrito com 1.200 habitantes, em um feriado esse número mais que triplica. Sem a Prefeitura ter o controle disso, a falta de água e picos de luz são certos.”
Para Felipe, não basta apenas fiscalizar, são necessárias políticas que tornem a entrada na regulamentação mais acessível. Isso porque boa parte dos moradores nativos de Conceição de Ibitipoca descobriram no turismo uma fonte de renda. “É o trabalhador que conseguiu juntar dinheiro, construir um chalé e aproveitar daquele turismo que não foi nem ele que escolheu, apenas chegou lá. Esse trabalhador também precisa participar do turismo de forma atuante, e não apenas o empresário que veio de fora com dinheiro para investir.”
Dinheiro que não é investido na região
O dono da Pousada Janela do Céu, Antônio Cézar Sousa, afirma que um dos problemas das casas de temporada é quando os proprietários não são frequentadores da vila. De acordo com ele, com a supervalorização do espaço por conta do fomento ao turismo, muitas pessoas compraram terrenos e começaram a construir chalés, inclusive sem documentação necessária. “Aí o proprietário mora no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, em Juiz de Fora e só constrói a casa para alugar e obter lucro. Só que esse dinheiro não vai ser investido em Ibitipoca, mas sim na cidade em que eles moram. Aqui a gente fica com a sujeira, com o lixo, com os problemas.”
Essas casas, ofertadas a preços mais vantajosos, atraem também outro tipo de turista. Conforme Antônio Cézar, são turistas que não gastam em bares, restaurantes e lojas da vila, mas sim grupos grandes de pessoas que alugam a casa para fazer festas. “São pessoas mais jovens, que trazem bebidas e comidas, sem a intenção de gastar no comércio da região. Geralmente é esse público que faz festas até tarde, o que gera outro problema, o da insegurança e perturbação do sossego. Atrapalhando justamente aquela pessoa que veio para Ibitipoca para fazer trilhas e aproveitar o parque, por exemplo.”
ICMS turístico
Sobre o controle de leitos no Distrito de Conceição do Ibitipoca, a Prefeitura de Lima Duarte informou, através de sua assessoria, que está realizando inventário turístico e que no momento ainda não possui dados atualizados. A Administração pública ressaltou a importância do turismo regular para captação de mais recursos para o município que serão investidos em segurança e infraestrutura para turistas e moradores.
Em 2022, Lima Duarte não foi habilitada para receber os recursos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) turístico. A verba é repassada anualmente pelo Governo mineiro como forma de incentivo ao fortalecimento da política municipal de turismo e o desenvolvimento da gestão turística. Segundo a Prefeitura de Lima Duarte, no próximo ano estima-se o recurso no valor de R$ 55 mil. “O município está passando por um processo de alteração do Plano Municipal de Turismo e no momento não está definido onde o recurso será aplicado. Ao final do mês de dezembro, com o Plano atualizado, iremos saber ponderar para onde será investido”, apontou, em nota, a Administração municipal.