Universos paralelos
Por trás de cada “tô bem” que recebo em fontes padronizadas das redes sociais, há implícito um quê de: “você sabe bem como tudo está”. Ainda que cada um viva suas questões e tenha problemas particulares, o que está posto para o geral tende a nos tocar em sentimentos semelhantes, pelo menos entre os mais próximos. A resposta curta também carrega um outro sentido: as coisas podem não estar tão boas, mas seguimos no esforço para segurar as pontas.
Todo o ineditismo desses tempos surpreendeu até os cientistas que já anunciavam a possibilidade de uma pandemia há mais de cinco anos. As mudanças são grandes e assustadoras. Sentimos falta de boas notícias, de fazer coisas novas, de extrapolar o que é o possível para esse momento. Se a coisa aperta para nós, adultos, que ainda ficamos à deriva no mar de informações, fico imaginando como tudo isso se passa na cabeça das crianças.
Alice, minha sobrinha, de apenas 8 anos, manda mensagens diárias. A criatividade dela é notável. Sempre tem uma resposta para tudo, impressiona pela maneira rápida como formula soluções e cria histórias com várias personagens. Todos os dias, recebo notificações dela. Primeiro vem o desenho, depois um áudio que explica a história toda, tintim por tintim.
Mas sei que por trás de toda essa disposição para inventar outras realidades, ela sente muita falta da escola, dos amigos, da convivência em um mundo sem a máscara da Mulher Maravilha, que ela me mostrou toda orgulhosa.
Embora a capacidade dela de criar seja muito alta, o trabalho de imaginar outros mundos fica mais confuso, quando o único universo que se pode acessar por aqui são os limites dados pelas paredes do apartamento.
Perguntei a ela qual a primeira coisa que ela pretende fazer quando tudo isso acabar. A resposta curta e direta: “Vou correndo para a rua gritar: liberdade! Liberdade!”. Ela não me perguntou de volta o que eu pretendo fazer quando for seguro estar de volta às ruas. Não me importei. Eu não saberia mesmo o que responder nessa situação.
Ao contrário dos adultos com quem lido, imersos em incertezas, que andam ensimesmados, angustiados e ansiosos com o por vir, Alice me ensina a enxergar melhor as cores que estão bem na minha frente e eu não consigo ver. Com sua esperteza infantil, ela me deixa sem palavras e me faz pensar no aqui/agora. Do jeito dela, me conta que o futuro também pode ser inventado, ainda que não tenhamos a menor ideia de como ele será. São os desenhos e histórias caprichados de Alice que plantam alguma esperança. Se ela quiser mesmo sair gritando pelas ruas, eu quero estar com ela.