O caminho mais difícil
Demorei muito a entender que podia usar algum tipo de transporte individual (táxi e aplicativos). Eles não faziam parte dos meus trajetos, porque como moro muito longe do centro, eles não eram saudáveis para a minha vida financeira. Apesar de muitas vezes penar com os ônibus, pelos horários que muitas vezes não contemplam minhas necessidades, ou pela falta de conforto pela lotação e estrutura precária, sempre dei preferência aos coletivos. Desse modo, andar em transportes individuais ainda não é uma decisão muito cômoda para mim.
Mas nas últimas semanas, vivi uma série de situações em que eles foram necessários. Assim como costumo prestar muita atenção às dinâmicas nos ônibus, passei também a olhar com mais cuidado para esse microuniverso que acontece dentro desses veículos. Em uma dessas corridas, estava com uma grande amiga. Ela adicionou uma parada e eu segui até outro ponto. Quando ela desceu, desejou boa noite e bom trabalho ao condutor, algo que sempre a vi fazer. Ele demorou um pouco a arrancar, com uma expressão um pouco surpresa. Em seguida, disse que ela era muito educada. Que gostaria que seus outros clientes agissem como ela. O estresse, a ignorância e a grosseria têm sido a tônica do tratamento no geral, segundo ele.
Acabamos nos alongando nesse assunto. Ele exemplificou essa mudança narrando que na infância era normal cumprimentar a todas as pessoas com as quais encontrava no caminho. Vindo de cidade pequena, onde todos se conhecem, era inevitável. Mas algo de lá para cá fez com que o comportamento de conhecidos virasse ao contrário. Quando um bom dia é lançado agora, os rostos se viram. Não há resposta. -Uma tristeza!- definiu ele. Na avaliação do motorista, tudo isso envolvia julgamentos sobre o que as pessoas tinham e o quanto se preocupavam em ter e em avaliar as pessoas também por seus pertences. O que fez elas se esquecerem de se reconhecer nas pessoas com quem convivem.
Não discordei. Estamos mesmo mais individualistas, mais fechados em nossas bolhas e buscando acumular recursos e isso faz mesmo com que as pessoas pareçam não ver, não escutar e passem batido. Todo mundo quer e precisa falar, mas ninguém está muito disposto a parar para ouvir. Talvez isso mostre algo maior, tornando nossos contatos cada vez mais insensíveis e impessoais. Todos temos carregado peso demais, cobranças excessivas, preocupações, dificuldades e problemas. Deveríamos encontrar maneiras mais saudáveis de lidar com isso. Mas não temos tanto tempo, porque é preciso correr, é preciso estar com pressa. É preciso chegar primeiro.
Uma corrida desenfreada e uma tensão constante. Os músculos faciais endurecidos não conseguem mais se abrir para o bom dia, sem causar desconforto. O corpo de uma pessoa chicoteado, torturado e com toda a ação filmada não é suficiente para chocar, inclusive, há quem aprove e defenda. Situações que são piores do que os graves crimes ocorridos até o século XIX, quando a escravidão era regra, se tornam banalidade. A maior riqueza do país queima diante de nossos olhos e nós nos viramos, ao invés de enfrentar a cena de frente, porque estamos assoberbados demais. O que falta no fim das contas, é o que mais se ataca atualmente: Educação. Concordamos o motorista e eu que não há outro caminho possível.