“O que tem no seu corpo que você gostaria de não ter?”
Ao balançar as mãos para se despedir, sentiu a pele do braço fazer um movimento que a incomodou. Aquela flacidez, comum à maioria dos mortais, fez com que se sentisse mal, e ela planejou iniciar uma dieta na próxima segunda-feira. A outra veio confidenciar que, se um dia tivesse dinheiro suficiente, faria uma cirurgia para ‘acertar’ seu nariz, ainda que seja proporcional ao seu rosto. “Sempre tem como melhorar”, ela me disse. O outro afirmou que pretende transformar a barriga de chope em uma barriga de tanquinho. Para isso, se inscreveu imediatamente na academia mais próxima e usa muitas hashtags diariamente, quando posta a foto do treino do dia em suas redes sociais. Todos eles e muitos mais se sentiram e se sentem pressionados pelos padrões estéticos vigentes, que nos colocam marcas cada dia mais irreais a serem batidas.
Antes de mexer nesse vespeiro, vale reforçar que cada um faz o que bem entender com o próprio corpo. Todo mundo sabe as questões e bem estares que carrega consigo. Mas quando possível, é interessante tentar pensar no que, de fato, é uma demanda nossa e o que vem de uma cobrança exterior. Também é importante salientar que todas essas pressões começam a atuar cada vez mais cedo sobre as pessoas. O bullying na escola não é novidade, mas se mostra cada vez mais invasivo e violento. Quem passa uma vírgula do padrão, sofre um bocado, desde criança, desde adolescente.
Dia desses estava subindo para o trabalho, acompanhado pela minha amiga de redação Vivia Lima. Entramos e nos sentamos próximos a duas irmãs. Havia entre elas, perceptivelmente, uma diferença considerável de idade. A mais velha era mais silenciosa, a mais nova cantava e se distraía com todo o movimento de pessoas dentro do ônibus. A cada volta que o veículo fazia, a incidência dos raios solares mudava de lado. Para quem mora em Juiz de Fora, a alteração de clima ao longo do dia não é novidade. Apesar de estarmos no inverno, sentíamos muito calor.
“O que tem no seu corpo que você gostaria de não ter?”, disparou a menor. Eu e Vivia paramos tudo o que estávamos fazendo, porque não tem como seguir a vida, impunemente, depois de um questionamento como esse, partido de alguém tão jovem. O rosto da mais velha expressou exatamente o mesmo assombro que tomou Vivia e eu. Ela teve que pensar rápido, a menina aguardava uma resposta. “Eu acredito que não queira mudar nada no meu corpo. Estou satisfeita como ele é atualmente.” Nesse momento, já tínhamos voltado a respirar. Não contente, a criança insistiu: “tem certeza?”. A mais adolescente assentiu. “Se eu pudesse mudar algo, eu tiraria o sol, está muito quente”, a pequena emendou, quebrando qualquer outra expectativa. Depois, voltou a cantarolar a música do baby shark, sem preocupações, nem neuras.
Elas desceram em seguida, mas a pergunta da criança e a naturalidade de sua irmã seguiram comigo. Não havia nada a mudar, além do incômodo do sol sobre o seu corpo. Nada sobrando, nada faltando. Uma satisfação incomum em vestir a própria pele. Sensação que eu quero ter comigo e gostaria de espalhar. De repente, todas as questões que me apresentavam e as minhas próprias caíram por terra e tudo terminou com uma ruidosa gargalhada.