Pelo direito de chegar a ter rugas
Uma profusão de rostos com olhos muito destacados e bochechas de tamanhos um pouco mais exagerados que o normal de repente tomou as redes sociais. A ideia era aproximar os traços das pessoas ao de crianças, algumas, com barbas, espinhas e outras marcas, pertencentes a rostos mais velhos. A distorção era espantosa pela adequação a algumas faces, um efeito rejuvenescedor que daria inveja em qualquer fonte mágica que promete voltar alguns anos no tempo. Mas na maior parte do tempo valia pelo riso, pelo sentimento de estranhamento que as imagens transformadas provocavam.
O interesse fez com que muita gente baixasse um aplicativo, apenas para ter acesso à ferramenta. Sabemos que a demanda por efeitos que possam fazer parecer mais jovem é alta, dada a vasta lista de procedimentos estéticos disponíveis no mercado, invasivos ou não. Qualquer pé de galinha que aparece é prontamente atacado, como se não fosse natural tê-los. As redes, com suas cobranças por padrões estéticos irreais, ajudam a reforçar esse desconforto e uma série de ansiedades. Aquela conversinha de todo mundo sempre querer mudar alguma coisa na própria aparência ser normal acaba se tornando uma necessidade, diante de tanta demanda.
Acontece que, na última semana, o mais improvável aconteceu. Os rostos lisos, sem efeitos de borrar, que ajudam a “esconder” as “imperfeições”, deram lugar a semblantes envelhecidos, vincados de rugas, com manchas e marcas do tempo. Causa certa confusão ver pessoas que, normalmente, se mostram muito preocupadas com suas próprias imagens, aderindo à modinha da vez, cedendo ao temido bigode chinês, compartilhando uma previsão fajuta, de uma imagem que hoje é completamente rejeitada por elas – e pior – cedendo dados importantíssimos em troca.
Vamos envelhecer. Esse processo deixa sulcos, crava seus efeitos na pele aos poucos, com o passar do tempo. É um movimento inevitável, mas com o qual é possível criar uma relação mais amigável, fazendo as pazes com a imagem que o espelho reflete, entendendo que cada marca pertence à nossa história. Embora óbvio, é preciso dizer que cada um faz o que bem entender com o próprio corpo. Mas como sempre alerta o amigo Pitico, é fundamental atualizar a imagem que fazemos dos idosos, que hoje permanece “uma figura amarelada, ainda associada ao crochê, às horas em frente à televisão, sem atividades”, tornando os idosos protagonistas e repensando os espaços e os serviços, para que tudo seja cada vez mais acessível para todos.
Os primeiros fios de cabelos brancos já chegaram e não me assustaram. As linhas de expressão estão se consolidando na cara e também não me causam preocupação. Mas pensar que a minha geração pode chegar à velhice encarando desafios infinitamente maiores, sem nenhum suporte e mais desvalorizada do que é atualmente, tem me causado uma inquietação cada vez maior. Se já era urgente pensar no processo de envelhecimento, agora, mais que nunca, é preciso lutar para que consigamos chegar à terceira idade com o mínimo de dignidade. Porque é provável que, se as coisas continuarem como estão, talvez não tenhamos nem como chegar perto das imagens transformadas pelos aplicativos. Não tem serventia alguma o esforço de baixar um aplicativo para tentar antecipar uma visão sobre a nossa própria aparência no futuro se continuarmos sem mover uma palha para garantir que possamos alcançá-lo.