Organização oficializa mudança no Domésticas de Luxo
Em reunião realizada nessa segunda, diretoria do bloco formalizou decisão sobre não fornecer itens na cor preta para caracterizar foliões, depois de seis décadas de existência
O tradicional bloco carnavalesco Domésticas de Luxo não irá mais fornecer itens como tecidos, luvas e tintas na cor preta para a caracterização de seus foliões. A decisão foi oficializada pela diretoria do grupo juiz-forano na presença de membros da Funalfa e de representantes da Comissão da OAB/JF para promoção da Igualdade Racial, na tarde desta segunda-feira (18). Na ocasião, a diretoria do Domésticas de Luxo reiterou que a atitude partiu da organização do bloco, que decidiu rever sua postura a partir das críticas e protestos que a atração carnavalesca vinha sofrendo nos últimos anos.
As críticas tinham como mote o uso da cor preta, usada pelos participantes para representar mulheres negras e que delegava a elas a função de domésticas. Recentemente, circularam em redes sociais as manifestações publicadas pelo Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), pelo coletivo feminista Maria Maria e por representantes do movimento negro em Juiz de Fora. A partir disso, a organização do bloco procurou a OAB/MG Subseção Juiz de Fora na tentativa de solucionar a questão.
De acordo com presidente do bloco, Valdir Alves, cada integrante do Domésticas de Luxo assinou um termo garantindo que não recebeu itens na cor preta – agora banidos do bloco. A partir do próximo ano, a organização estuda oferecer tecidos coloridos para seus foliões.
“Nós comunicamos todos os integrantes e explicamos a situação. Não entregamos nada na cor preta e fizemos cada um assinar um termo afirmando que não recebeu as malhas (pretas).”
Na reunião, representantes do Domésticas de Luxo leram e assinaram uma nota em que oficializam a decisão. Além do documento, um termo de compromisso foi assinado pela direção do bloco, pela Funalfa e pela Comissão da OAB.
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Análise positiva
Para o presidente do bloco, a medida é positiva. “Na minha opinião é uma evolução, a partir de um esclarecimento. A gente está fazendo o melhor para o carnaval de Juiz de Fora. Eu acredito que a mentalidade das pessoas têm que mudar. Se todo mundo muda, porque a gente não pode mudar?”, afirmou Valdir. Ainda segundo a organização, a medida também abrangerá as composições dos sambas-enredo do bloco, que passarão a ser analisadas com maior cautela com relação ao uso de possíveis termos racistas.
O superintendente da Funalfa, Zezinho Mancini, destacou que a decisão é um ganho “enorme” para a cultura, mas também para a sociedade. “Se uma ação ofende o outro, o seu jeito de ser, ela tem que ser revista”, disse. Ele ainda destacou a tradição do bloco como um dos baluartes do carnaval juiz-forano e reforçou que a atitude é importante para que a tradição se mantenha.
Medidas punitivas
De acordo com Carlos Eduardo Furtado de Paula, um dos diretores do Domésticas de Luxo, a decisão foi um passo importante. Ele afirma que a medida foi divulgada e enfatizada a todos os participantes, que foram orientados a não participarem caracterizados com os itens banidos. Contudo, segundo ele, não há como garantir que nenhum integrante irá “como mandava a tradição”. Ele explicou que algumas pessoas não concordam com a medida.
Perguntado sobre se os foliões serão punidos caso não se adéquem às novas orientações, ele disse que tudo será avaliado.
“É preciso diálogo. A possibilidade de um desligamento existe, mas precisa ser estudada. Teremos precaução”.
A OAB afirmou que o órgão não possui caráter punitivo, mas de moderação, orientação e esclarecimento. “Nós conversamos, orientamos sobre os comportamentos que podem ser ofensivos, além de expor o que é preconceito, racismo e discriminação. Esse é o papel da OAB, orientar e esclarecer”, disse o presidente da comissão para promoção da Igualdade Racial, Alexander Jorge Pires. Conforme o órgão, a possibilidade de uma punição a nível jurídico compete a outros setores.
Polêmica acompanha bloco nos últimos anos
A principal polêmica envolvendo o Domésticas de Luxo tem relação com o uso de malhas pretas pelos participantes, caracterização esta relacionada a um viés racista. Tradicionalmente, desde 1958, seus integrantes, todos homens, se caracterizavam de mulheres negras, pintando o rosto com tinta preta, vestindo perucas que imitam cabelos crespos e cobrindo o corpo com as malhas pretas, caracterização conhecida como ‘blackface’.
De acordo com o presidente do grupo, o bloco nasceu para homenagear as domésticas. Conforme explicou Valdir, como na década de 1950 a maioria das trabalhadoras deste segmento era negra, e na época de carnaval elas não podiam se divertir, o grupo surgiu para homenagear a classe trabalhadora. Ele defendeu que, embora a atitude tenha sido definida como preconceito e ofendido pessoas, “o intuito do bloco nunca foi ser racista, e os integrantes não são racistas. Inclusive temos negros que participam e não se sentem ofendidos”.
No entanto, nos últimos anos, a caracterização vinha sendo criticada. Em nota pública recente, o DCE da UFJF repudiou as “práticas que discriminam gênero, raça e, sobretudo, trabalhadoras no bloco”. Em 2015, a Revista Fórum repercutiu a polêmica a nível nacional. No ano passado, no aniversário de 60 anos do bloco, o desfile aconteceu sob protesto. Na ocasião, a maioria dos manifestantes era formada por jovens negros.
A adequação do bloco, portanto, é considerada um avanço na conquista de direitos de parte da população que era ofendida pela atração carnavalesca, conforme analisou o presidente da Comissão da OAB para promoção da Igualdade Racial, Alexander Jorge Pires. Questionado sobre se a atitude e a caracterização podem ser consideradas racismo, ele avaliou que as práticas que causem a estigmatização ou ofendam determinado grupo social são consideradas preconceituosas. Além disso, o presidente lembrou que o Brasil é reconhecido a nível mundial pela Organização das Nações Unidas (ONU) como um país cujo racismo é estrutural.
Tópicos: carnaval