A realeza queimada
Grandes monumentos não são construídos em dias, mas sim em gerações. As pessoas que os começam sabem que não os verão prontos, e sim seus netos. E, mesmo que demorem tanto para serem construídos, é assustadora a rapidez com que eles podem ser destruídos.
Basta um fio solto, um acidente qualquer e pronto: séculos e séculos de história são queimados, consumidos pelo fogo. Mas monumentos históricos não são feitos apenas de madeira e pedras; são construídos por lembranças, pelo carinho de todas as pessoas que tiveram a honra de passar por eles e, até mesmo, pelo amor daqueles que só os conhecem de longe.
Assisti incrédula enquanto Notre-Dame pegava fogo. Quando o Museu Nacional ardeu, senti como se tivesse perdido um membro da minha família. Mesmo que as estruturas estejam danificadas por sabe-se lá quanto tempo, minhas memórias não queimam com elas. Ainda me lembro do soar dos sinos de Notre-Dame, do absoluto encantamento que o Museu Nacional me proporcionava toda vez que o visitava. Os grandes monumentos mundiais são o que são por conta das memórias que guardamos deles.
Como uma amante da história clássica, aprendi a amá-los e admirá-los antes mesmo de conhecê-los, e é doloroso vê-los queimar agora. A Notre-Dame que coroou Napoleão imperador, que sediou a beatificação de Joana D’Arc, cujos sinos anunciaram o fim de duas guerras mundiais, não existe mais. Podemos reconstruí-la, é claro, mas ela nunca mais será a mesma. Assim como o Museu também nunca será o mesmo.
Monumentos da magnitude de Notre-Dame ou do Museu Nacional são feitos de muito mais do que monte de pedras organizadas de uma forma majestosa. É a junção de todos os eventos que eles presenciaram e de todas as lembranças que existem nestes lugares. Quase como se todos aqueles que tivessem passado por ali deixassem algo, uma essência de um tempo que já se foi. Apesar de tudo isso, me recuso a dizer adeus. Me recuso a permitir que nossa história seja esquecida, que tudo que passou por estes lugares seja apagado.
Não é a primeira vez que Notre-Dame pega fogo e é reconstruída. O incêndio, há um mês, será mais uma ruga na face da Nossa Dama, mais uma destruição na sua história. O incêndio do museu será mais uma marca negra na nossa. De certa forma, essa é a beleza de monumentos como esses: não importa o quanto queimem ou sejam destruídos, no final, isso só os torna mais especiais.
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