Cidadão invisível
Desde que os portugueses chegaram no Brasil e implantaram no país uma colônia de exploração, o brasileiro foi se acostumando a se contentar com pouco. Mesmo em péssimas condições de trabalho, basta ter o pão de cada dia, independentemente de quem está no poder. E esse pensamento foi agravando o fenômeno da alienação, que parece afetar cada vez mais a nossa sociedade e se reflete em diversos segmentos da República brasileira.
Vivemos em um modelo democrático, no qual os cidadãos votam de forma obrigatória, a partir dos 18 anos, para eleger os seus representantes. No entanto, o que vemos no atual cenário político são indivíduos que prezam apenas pelos seus interesses e de seus partidos, e, o pior, que legislam para favorecimento próprio ou partidário, e não de forma a espelhar a opinião pública. E, com toda essa manipulação que ocorre nos bastidores, os cidadãos em geral não se sentem representados.
O brasileiro é acordado dia após dia com casos de corrupção, esquemas de lavagem de dinheiro e medidas impopulares que buscam o favorecimento de uma minoria rica. Com isso, fica cada vez mais difícil de o cidadão se sentir representado pela classe política se esquecendo dos princípios morais e éticos básicos para legislar pelo povo, motivo pelo qual foi eleita.
Devido a alianças políticas, investimentos em publicidade e descrédito da população, surgem figuras como Tiririca, que, com uma campanha baseada na graça, alcançou mais de um milhão de votos na eleição de 2014 para deputado federal, e ainda conseguiu puxar cinco deputados de sua legenda.
Mas essa falta de representatividade não acontece apenas na política. Um exemplo disso é a televisão, que é o meio de comunicação com maior alcance no Brasil, mas que, na maioria das vezes, cria uma narrativa idealizada ou estereotipada, como vemos nas novelas e minisséries. Nelas, os diferentes núcleos sociais se evidenciam, com as classes mais altas sempre com conflitos e alguns “escândalos”, e as mais baixas com muitos “barracos”, gritarias, confusões, e os personagens, na maioria das vezes, como trambiqueiros e desonestos.
E, infelizmente, isso não acontece apenas na ficção. Nos telejornais, vemos matérias em que, raramente, o povo tem voz ou é inserido na narrativa audiovisual, e, nas poucas vezes em que isso acontece, o que se nota são falas que apenas reforçam um discurso que a emissora deseja propagar, pessoas que contam um caso ou que aparecem de forma estereotipada, sem representação. Com isso, princípios básicos de uma sociedade, como construção de cidadania, diversidade e respeito social e cultural, além de pluralidade de vozes e comportamentos, vêm sendo negligenciados.
Entretanto, na sociedade, também temos as pessoas que não possuem representatividade alguma, aquelas que estão à margem. Dentre essas temos os moradores em situação de rua, pessoas que, muitas das vezes, não têm nem um tipo de identificação (CPF ou identidade), e, portanto, não são consideradas cidadãs. Mas elas, assim como todos os outros brasileiros, fazem parte do que chamamos de República Federativa do Brasil. Além disso, temos também a imposição de padrões que excluem e marginalizam as minorias, como o negro, o gordo, o gay, o pobre, entre outros.
O livro “Cidadão Invisível” narra a história de Naco, que é filho de pais pobres, e, após fugir de casa para viver nas ruas, acaba se envolvendo com a violência urbana e começa a roubar, até que um outro morador de rua apresenta o mundo do tráfico em troca de visibilidade e poder ao menino. E, assim como no livro, na sociedade brasileira, muitas pessoas vivem nesta realidade de invisibilidade, mesmo sendo o Brasil um país multicultural, marcado pelas diferenças desde o seu início.