Do luto à luta
Quando voltei a cursar Direito em 2011, tinha comigo uma grande dúvida: o que era a Justiça em nosso país? Logo no início do curso, perdi meu segundo filho, vítima de um crime que hoje se espalha no país – o crime de trânsito -, geralmente provocado por um motorista irresponsável, que desrespeita as leis de trânsito ao dirigir embriagado, avançar o sinal vermelho, não respeitar a faixa de pedestre, dirigir com velocidade acima da permitida para o local, ultrapassar em local proibido, fazer “pegas” dentre outras.
No último dia 19/06/18, Juiz de Fora inaugurou uma nova era, na análise desse tipo de crime, que até bem pouco tempo era tratado como um simples “acidente”, que não deveria ter punição ou no máximo trocada a pena por serviços comunitários ou cestas básicas. Uma colisão horrível acontecida em 14/05/2016, com um motorista embriagado, voltando de uma tarde/noite de farra, dirigindo em alta velocidade e na contramão, que colidiu com uma motocicleta que vinha em sentido contrário pilotada por um jovem rapaz e sua esposa, atirando o piloto cinco metros à frente e lançando sua esposa dentro do Rio Paraibuna, que corta a cidade, sendo seu corpo encontrado somente dois dias depois.
A coragem de um delegado de polícia que resolveu indiciar o motorista por dolo eventual, a astúcia do Ministério Público que resolveu denunciá-lo pelo mesmo crime e a confirmação do Tribunal de Júri em pronunciá-lo acatando a denúncia do MP inauguraram um novo tempo em Juiz de Fora, levando esse assassino do trânsito a júri popular, acabando com aquela história de que não tinha a intenção de matar.
Acreditamos que esse dia histórico de Juiz de Fora será um divisor de águas. Para análise dessa carnificina que se instalou em nossa cidade, foram pelo menos seis acidentes envolvendo irresponsabilidade no trânsito, com uma mistura perigosa de álcool e direção, todos com vítimas fatais. O Conselho de Sentença, depois de várias manobras da defesa, primeiro com a negação da embriaguez, depois com a alegação de transtorno mental do acusado, e finalmente com um requerimento de diligência para que o Conselho de Sentença, o juiz, o promotor, o assistente de acusação e os advogados de defesa fossem ao local do acidente, tentando desconstruir a perícia oficial da Polícia Civil, e, depois de longas 11 horas, considerou o réu culpado em todos os quesitos apresentados pelo presidente do Tribunal do Júri.
No final do julgamento, foi proferida a sentença – 12 anos para cada morte – com uma das penas aumentada em um sexto – perfazendo apenas 14 anos, pois, no Código Penal, em seu artigo 70 no Concurso Formal de Crimes, “quando um agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idêntica ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis, ou se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso de um sexto até a metade”. Lógico que gostaríamos que não tivesse nenhum tipo de benefício ao réu, mas como operador do direito não posso ir contra a lei.
A dosimetria da pena foi bem aplicada. No mês em que recebi a pena do algoz do meu filho, que também foi assassinado no trânsito – por um motorista irresponsável, dirigindo em alta velocidade, sem habilitação e o colhendo na faixa de pedestre, arremessando-o a 25 metros, denunciado pelo MP apenas por crime culposo -, depois de longos sete anos de sua morte e condenado a dois anos, nove meses e 18 dias, vimos a Justiça sendo feita. Saímos com a certeza de que começa uma nova fase na análise de crimes de trânsito. A Justiça manda um recado, que esse tipo de crime não vai ser mais tolerado e não será mais analisado como acidente.
Dirigir sem respeitar as leis de trânsito, cometendo essas faltas gravíssimas, que tantas vidas tem ceifado, não é acidente, é assassinato. Não somos vitoriosos, não vencemos ninguém, nem eu como advogado da família funcionando na assistência de acusação, nem a família. Seríamos vitoriosos se pudéssemos trazer de volta o Eduardo e a Vanessa, mas isso seria impossível. Vitoriosa foi a Justiça de Juiz de Fora, na pessoa do Ministério Público, do presidente do Tribunal do Júri e do Conselho de Sentença, que mostraram competência para condenar o réu a uma pena exemplar, por dirigir embriagado, em alta velocidade e na contramão, tirando a vida de dois jovens inocentes que começavam uma vida cheia de sonhos e planos, interrompida bruscamente por um irresponsável em sua máquina potente, que pouco tem respeito à própria vida.