A filosofia de Heráclito


Por MÁRIO JOSÉ DOS SANTOS, PROFESSOR DA UFJF

05/11/2015 às 07h00- Atualizada 05/11/2015 às 08h56

Heráclito é um filósofo que se destaca entre os pré-socráticos. Viveu na transição do século VI para o século V a.C. na cidade de Éfeso, uma colônia grega na Jônia (hoje, Turquia). Renunciou ao trono, direito do filho mais velho, em favor do irmão, para se dedicar, exclusivamente, à filosofia. Heráclito considerou a realidade, na sua totalidade, como um fluxo perpétuo – tudo muda, tudo se transforma, e nada permanece estável. A essência da vida é o vir a ser inexorável, que implica o ser e o não ser. Somos e não somos ao mesmo tempo.

Trata-se de um extraordinário ensinamento sobre a existência humana. Nunca saberemos, com segurança, se o dia de amanhã será, necessariamente, o desdobramento do que planejamos no dia de hoje. Heráclito desenvolveu uma ideia de contrário, interessante, a partir de uma observação simples e objetiva. Torna aquele que o entende mais tolerante e atento aos ciclos cotidianos dos acontecimentos. Diz, o caminho para cima e para baixo é um e o mesmo, e, na circunferência, o começo e o fim coincidem.

Os contrários, no entanto, harmonizam-se e se reclamam, pois a realização de um depende da supressão provisória do seu contrário (vida e morte, dia e noite, justiça e injustiça, guerra e paz, etc.). É o que ele chama de síntese dos contrários, unidade dos opostos.

Portanto, nada pode ser motivo de estranheza e insegurança, se compreendermos a essência da vida, a natureza da existência humana. Seja na dimensão cósmica ou psicológica. A passagem mais famosa e paradigmática do seu pensamento filosófico é a de que nenhum homem pode banhar-se duas vezes no mesmo rio. Rio é sinônimo de águas que correm (águas fluentes) e nunca serão as mesmas. Num segundo contato, já não seriam mais as mesmas, pois mudam incessantemente. Também o homem, ser histórico, que pauta a sua vida por novas experiências, também já não seria mais o mesmo.

Esse devir permanente, altos e baixos, que confere à vida seu caráter dinâmico e não linear, muitas vezes, é mal interpretado, de forma impaciente, como algo inaceitável, que deprime, produz um sentimento de medo, culpa e instabilidade. Mas não existe alegria sem tristeza, ensina Heráclito. A saúde nunca é tão cara, apreciada e cercada de tamanho zelo como no momento em que se vê ameaçada, de forma iminente, pela doença. Viver não significa não morrer jamais, mas sim lutar diuturnamente contra a morte. A alegria só perdura no espírito daquele que a concretiza, na medida em que esta disposição sobreviva à luta contra a tristeza inerente à condição humana. Ninguém chega à maturidade sem passar pelas incompreensões da adolescência e as aventuras da juventude.

Heráclito contempla as limitações do ser humano com os olhos da inteligência (não com os dos sentidos), com muita serenidade e profunda humildade. É o precursor do dito popular: não há bem que sempre dure nem mal que nunca se acabe. O igual é sempre relativo. A extrema diversidade, que constitui a multiplicidade, mostra um universo que é harmonia, ordem, proporção e beleza. Ser simples e consciente é moldar-se a partir desse paradigma que exprime a possibilidade de uma conduta digna do ser humano que respeita o bem comum, o diferente, sem comprometer sua individualidade. A harmonia invisível é mais bela que a visível, conclui Heráclito.

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