Quem és tu, ó homem?

“O homem, de algum modo, conhece-se no conhecer as coisas. Ele pode captar-se, de alguma maneira, no captar os entes.”


Por Elílio de Faria Matos Júnior, padre e professor de filosofia e teologia no Centro Universitário Academia (UniAcademia)

03/05/2023 às 07h00- Atualizada 03/05/2023 às 17h12

O homem conhece muitas coisas. Com os últimos progressos do saber científico, coisas outrora ocultas têm sido desveladas ante seus olhos maravilhados. O nosso conhecimento do Universo, tanto em nível macrofísico quanto em nível microfísico, é admirável. Sabemos, como nunca, como funciona o mundo e o nosso organismo biopsíquico, e avançamos no conhecimento de nossa psicologia. No entanto, todo o cabedal de conhecimento que temos adquirido revela também a face misteriosa do ser. O mundo material não está totalmente iluminado pelos raios de nossa ciência. Fala-se de matéria e energia escuras, de indeterminação quântica e de muitas outras coisas que desafiam a nossa busca do conhecimento. Para além do saber científico, de cujas grandezas e limites hoje somos bastante conscientes, existe o estupor metafísico. O ser é! A gratuidade do que existe eleva ainda mais o senso do mistério. Leibniz formulou a grande questão, vulgarizada depois por Heidegger: por que algo existe ao invés do nada? Na verdade, o nada não pode existir, de modo que é necessário que o Ser seja! Se algo existe, Algo sempre existiu! Mas nos admira a existência do ser contingente, do ser que poderia não existir. Que gratuidade é esta?

Se o ser em geral encerra um grande mistério para o homem, a grande questão que se lhe coloca é, sem dúvida, a da sua própria existência como espírito no mundo – Geist in Welt, como dizia Karl Rahner. Que é o homem? Dada a sua subjetividade espiritual, que não permite nunca ser totalmente objetivada, o homem não é um quê, mas um quem. Assim, a pergunta mais exata é: quem é o homem?

Certamente o homem poderá colher mais abundantes frutos do autoconhecimento do que do conhecimento das coisas. Acontece, porém, que o conhecimento das coisas lhe possibilita o autoconhecimento. O homem, de algum modo, conhece-se no conhecer as coisas. Ele pode captar-se, de alguma maneira, no captar os entes. Como dizem os tomistas, ele é capaz de redire in seipsum reditione completa – voltar-se para si mesmo por uma reflexão completa. Depois de conhecer as coisas, ele pode conhecer-se como conhecedor. Ao voltar-se para si, toma consciência de sua subjetividade que não poder ser totalmente objetivada. Ao objetivar o conhecimento, inclusive o conhecimento de si, a subjetividade sempre se mantém irredutível como tal, pois que sempre está diante do objeto sem jamais deixar-se absorver por ele. A subjetividade é um centro originário de luz e de espontaneidade, de visão e de liberdade! Assim, o homem descobre-se como mistério inobjetável diante do mistério do ser; descobre-se como espírito!

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