Velhice complexa

A terceira idade não é um estorvo, mas um momento complexo da vida, que carece não apenas de respeito, mas também de reconhecimento de direitos


Por Tribuna

30/06/2019 às 06h40

“Existe um silêncio público e intencional de desconsideração dessa população que mais cresce e mais crescerá em razão da revolução da longevidade”. A frase é do gerontólogo José Anísio da Silva, mais conhecido como Pitico, ao analisar os danos à terceira idade que se manifestam em várias frentes. Nesta edição, a Tribuna aborda os crimes cometidos especialmente por estelionatários, que se aproveitam da fragilidade de idosos para aplicar seus golpes. Dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública de Mi nas Gerais (SESP) apontaram que, em 2018, cerca de oito crimes contra idosos foram praticados, a cada dia, na cidade. Ao todo, 3.240 casos foram contabilizados pela pasta, num claro sinal de que é preciso agir para evitar esse flagelo.

Mas como lembra o gerontólogo, a terceira idade, a despeito de todos os reais avanços, ainda não está no topo das preocupações da sociedade. Há leis e estatutos em vigor, mas seu cumprimento, especialmente em algumas regiões, beira à ficção. A velhice, por sua vez, é tratada como uma doença, em vez de ser uma marcha inexorável no ciclo da vida. Mesmo assim, mesmo diante dessa faticidade, o desrespeito se explicita não apenas na violência formal, mas também em outros abusos que permeiam o noticiário em seu dia a dia. Muitas dessas questões começam dentro do próprio espaço familiar. Não raro, é possível perceber abusos nas compras, quando o cartão é utilizado de forma desmesurada por terceiros próximos. Em outros, o idoso é isolado em espaços da residência mesmo sendo ele, em boa parte, o provedor.

A discussão da terceira idade deveria ser uma agenda permanente de muitas instâncias. Os golpes financeiros, por exemplo, deveriam ser pauta dos bancos. Estes protegem seus ativos, mas deveriam insistir em ações para proteger seus clientes. O caso do idoso que perdeu cerca de R$ 10 mil foi, é fato, uma distração pessoal, mas a própria instituição financeira – muitas delas fazem – deveria ter alertas para saques ou pagamentos acima do padrão. Vale o mesmo para o comércio, palco principal para tais atos. Conferir não apenas os dados, mas também checar a verac idade de autoria são rotinas que evitariam tais incidentes.

Mas o ponto principal para reversão do jogo é a educação. A população precisa ser alertada de forma insistente sobre o respeito à terceira idade. Não aquele respeito que se esgota na reverência, mas naquele que reconhece direitos básicos e complexos. Um idoso num coletivo não é um estorvo e, sim, um cidadão no exercício de suas prerrogativas. Nas ruas, ao cobrar tempo maior nos sinais, não é um lento e, sim, um cidadão de timing próprio.

Para o cumprimento de tais ações, sociedade e serviços públicos precisam ter um olhar comum, afinal, a velhice, como dito acima, é o destino de todos, e a ela chegar é um dado positivo, pois nem todos conseguem.

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