Fora dos autos

Lei que inibe o abuso de autoridade contém pontos que levam à subjetividade, por não definirem, claramente, onde as autoridades estão extrapolando em suas ações


Por Tribuna

28/06/2019 às 06h10

A aprovação pelo Senado do projeto que prevê punição a abuso de autoridade suscita, de imediato, uma série de discussões, sobretudo pelo momento em que foi colocado em pauta. Se antes talvez não causasse tanto espanto, aprovado num período em que o ex-juiz da Lava Jato, Sérgio Moro, está no centro de uma grande polêmica, soa como oportunismo, embora os parlamentares jurem de mãos postas que não foi essa a motivação. Mas vamos ao texto. Um dos pontos mais polêmicos é o que classifica como abuso de autoridade condutas praticadas por procura dores e juízes com finalidade específica de prejudicar terceiros. Como será possível fazer tal aferição? O risco da subjetividade é uma questão que deve estar sempre na pauta do legislador, a fim de evitar o uso inadequado da própria norma.

Os senadores e, certamente mais tarde, a Câmara, têm levantado essa questão há muito tempo, por entenderem que, a despeito de todo o trabalho das operações, muitos personagens agiram como se estivessem acima da lei, ora comprometendo biografias sem a devida apuração, ora atuando além dos autos sem se preocuparem com as consequências.

O relator Rodrigo Pacheco, senador mineiro de primeiro mandato, fez uma série de flexibilizações no texto após se encontrar com representantes do Ministério Público e do Judiciário, mas ainda há restrições. Nas justificativas, o parlamentar destaca que “o que não se pode é deixar de punir o abuso de autoridade”. Tem razão, mas a discussão, agora, envolve a forma de avaliação do que é ou não abuso. Uma das questões é o excesso de opiniões, fora dos autos, exaradas por promotores e juízes. N a linguagem forense, diz-se que o que não está nos autos não está no mundo, mas esse conceito há muito foi por água abaixo, bastando ver o comportamento dos próprios membros da principal corte do país. Ministros do Supremo emitem opinião sobre quase tudo, sem se preocupar se terão, ou não, que julgar os feitos que ora comentam.

O Congresso tem a prerrogativa de fazer leis e deve, de fato, inibir abusos, mas será necessário indicar à sociedade que sua ação, no atual momento, não é uma retaliação ou estratégia pela fragilidade do ministro. Caso contrário, estará dando margem a novas medidas e, sobretudo, protesto da opinião pública por vender a impressão de estar legislando apenas em causa própria.

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