Ressaca financeira
Responsabilização pelo endividamento excessivo do consumidor deveria ser uma premissa básica do mercado
Passadas a correria e a euforia típicas do Natal, ceia compartilhada com família e amigos, presentes recebidos e entregues, o comércio varejista faz as contas e pretende comemorar bons resultados, mas a ressaca financeira começa a se fazer realidade para muitas famílias juiz-foranas.
O apelo ao consumo desenfreado começou antes mesmo da liberação da primeira parcela do 13º salário para os celetistas. Antes de o dinheiro cair na conta, muitos foram conquistados pelas promessas de descontos agressivos, comprometendo o extra que nem havia chegado à carteira. Agora, com as duas parcelas depositadas e com o aumento expressivo dos gastos, típico deste fim de ano, com pouca sobra – ou quase nenhuma – na conta corrente, para muitos fica a sensação de que era preciso ter feito um uso mais racional do abono natalino.
O Natal passou, mas o apelo ao consumo, não. Ao contrário. As vitrines enfeitadas com temas natalinos já perdem espaço para as roupas brancas e, daqui a alguns dias, começam os saldões de início de ano, aqueles em que clientes fazem fila na porta de grandes magazines e levam TVs no braço, mediante a redução expressiva nos valores das etiquetas. Há, ainda, o movimento de troca de presentes, momento decisivo para fidelizar clientes e até efetivar novas compras, de olho nos produtos desejados para a viagem de férias. O que muitos se esquecem, para desespero dos educadores financeiros, é que 2024 pode ser de mudança, mas uma característica permanece inalterada: a fatura das despesas sazonais chega. E chega rápido.
Os pais já sabem de cor: não há mensalidade escolar em janeiro, mas a última parcela da rematrícula paga desde o último trimestre do ano anterior está no extrato. Há os livros e o material escolar a ser comprado, o uniforme que precisa ser renovado, o transporte escolar que precisa ser pago, a fatura do cartão, inflada com os parcelamentos dos presentes de Natal e os gastos de dezembro, fora as tradicionais contas de início de ano, como IPVA e IPTU, só para citar duas.
Na engrenagem econômica, a injeção do abono natalino, o movimento de pagamento de dívidas pelos consumidores, em busca de crédito para novas aquisições, e o consumo no comércio varejista são fundamentais para consolidar a recuperação do setor, massacrado pelos efeitos da pandemia e que, até então, não havia conseguido atingir os mesmos patamares pré-Covid, além de impulsionar toda a cadeia produtiva. Não restam dúvidas.
Porém, a necessidade de se repensar o modelo atual de apelo agressivo ao consumo, muitas vezes feito de forma enganosa, a que tantos estão expostos, sem conhecimento financeiro prévio capaz de dimensionar os impactos perversos e duradouros na saúde financeira do trabalhador e de toda a sua família, é também uma realidade que se impõe, e não deveria ficar restrita a alertas compartilhados por economistas dedicados às finanças pessoais.
A responsabilização pelo endividamento excessivo do consumidor, uma realidade para inúmeras famílias juiz-foranas e brasileiras, deveria ser uma premissa básica do mercado. Até porque não adianta o trabalhador gastar tudo que tem – e comprometer o que não tem – em dezembro e passar o resto do ano inadimplente, sem crédito e sem condições de atender suas necessidades básicas nem de contribuir para movimentar a economia. Nessa equação, perdem todos. Em maior ou menor grau.