Os desafios das cidades
Homologação do novo comércio popular é prova da possibilidade de convivência com o comércio lojista, ante o estabelecimento de regras transparentes para esse processo
Em todas as mobilizações envolvendo o processo público há um consenso: as coisas acontecem nas cidades, o que implica responsabilidades efetivas dos gestores municipais. As demandas são resolvidas de frente, ao contrário das demais instâncias, em que, além das dificuldades burocráticas, o próprio jogo de poder mantém as ruas apartadas dos governantes. No entanto, quando se fala em recursos, o jogo se inverte, obrigando prefeitas e prefeitos a andarem de pires à mão pelos gabinetes dos estados e da União ou no Congresso, clamando por emendas para resolver suas demandas.
Ao município é reservado o principal desafio da gestão, sobretudo ante a sua complexidade. Na edição desta quarta-feira, a Tribuna destaca a homologação do comércio popular de Juiz de Fora, depois de 30 anos de incerteza do próprio setor. Pelas normas e pelo que ficou definido no documento final, as ruas e o comércio convencional não serão antagonistas, como ocorria em outros tempos, quando a concorrência tinha viés de desigualdades, sobretudo com o comércio formal – pagador de impostos – e os ambulantes, que, além de não se submeterem a tributos, ainda vendiam os mesmos produtos por preços sem tributação.
Como bem destacou a prefeita Margarida Salomão, o edital foi construído em conjunto com todos os setores do comércio e comércio lojista. “Existe uma relação de complementaridade, porque um traz público para o outro. Hoje, nós não estamos apenas celebrando um avanço na ordem urbana, mas também a democracia, porque você tem uma sociedade mais democrática, quando todos têm o mesmo direito. Estamos vivendo em uma cidade mais civilizada, mais democrática e mais feliz.”
A definição do número de vagas, a padronização e a contrapartida por meio de uma taxa anual são indicativos da necessária organização, num processo de ganha/ganha, no qual o maior beneficiado é o consumidor final. Ademais, criam-se condições para o enfrentamento à clandestinidade, que, ao fim e ao cabo, prejudica tanto os comerciantes de ruas quanto os lojistas.
Tal dado é de abissal relevância, uma vez que, ao afastar a clandestinidade, criam-se condições para regulamentação do setor e até mesmo capacitação daqueles que tentam ingressar nesse novo modelo de negócio. Ademais, com espaços definidos, é possível estabelecer regras para a própria mobilidade. Há cerca de dois anos, a Avenida Getúlio Vargas era uma verdadeira Babel, com os pedestres tendo que dividir espaços com barracas, criando um cenário de pleno incômodo, sobretudo nos pontos de ônibus.
As diversas gestões pretéritas até tentaram algum tipo de organização, mas acabaram cedendo aos fatos, e o caos continuava. Hoje, a Getúlio Vargas, a despeito de todos os desafios que ainda enfrenta, envolvendo especialmente o transporte público, não tem retenções nos seus passeios.
Uma das regras básicas para o sucesso do comércio popular passa pela infraestrutura. As cidades de modo geral investem pouco nesse quesito, o que seria fundamental para torná-lo mais atraente para os consumidores.
Em tempos de concorrência, abre-se também margem para a implementação de um setor produtivo forte, para fornecer produtos de qualidade aos clientes. Vários projetos apontam para a importância de políticas de produção local e inovação. Outra questão é a inclusão digital no setor, pois seria outra opção para o incremento do segmento sem comprometer o comércio lojista, que, por sua vez, também deve estar pronto para os novos tempos.