Violência doméstica

A violência doméstica é um dado real e fruto de séculos de dominação: os autores de crimes de feminicídio se sentem donos da relação e não se conformam com as perdas


Por Paulo Cesar Magella

07/08/2025 às 15h04

  Violência doméstica. No dia 30 de dezembro de 1976, o playboy paulista Raul Fernando do Amaral Street, conhecido como Doca Street, matou com quatro tiros à queima-roupa a socialite mineira Ângela Maria Fernandes Diniz, conhecida como Ângela Diniz, na Praia dos Ossos, no balneário de Armação de Búzios. O crime teve repercussão nacional, e o julgamento ocupou páginas de jornais.

Dois notáveis do Direito no Brasil atuaram no julgamento realizado no dia 17 de outubro de 1979, em Cabo Frio: Evandro Lins e Silva era o advogado de defesa, enquanto Evaristo Moraes Filho era o de acusação. Embora não fosse capitulada no Código Penal, a tese da legítima defesa da honra convenceu os jurados. Doca foi condenado a dois anos de reclusão, com direito a sursis (dispensa do cumprimento de uma pena no todo ou em parte). Como já tinha cumprido mais de um terço da pena, ele saiu do tribunal pela porta da frente, pasmem, aplaudido pela multidão que acompanhou as 21 horas de julgamento.

  Curiosamente, um ano antes do crime, vários grupos feministas, reunidos em um seminário, na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro, deram luz ao Centro da Mulher Brasileira, a primeira organização feminista do país. Um dos slogans era “quem ama não mata”. Os crimes de feminicídio, que só seriam capitulados na legislação penal em 2015, por meio da Lei 13.104, já eram uma realidade pelo país afora.

Neste mês de mobilização nacional pelo fim da violência contra as mulheres, a Tribuna inicia a série de reportagens Agosto Lilás: Olhares contra a Violência. As matérias, com diversas abordagens sobre o tema, serão publicadas sempre às quartas-feiras, no site e no jornal impresso.

  Discutir o tema é fundamental para reverter os números. Mesmo com a legislação em curso, o país atingiu o maior número de casos em 2024, desde a implantação da Lei 13.104. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 1.492 ocorrências foram registradas – uma média de quatro mortes por dia. 

  A lei por si só não basta, havendo necessidade de outras ações. A conscientização é a principal delas, que deve ser implementada em diversas frentes, a começar pelos bancos escolares. Há ainda uma cultura de domínio pela qual os autores de tais crimes se sentem autorizados a agredir e até mesmo matar ante a possibilidade de perda da relação ou o descumprimento de suas regras. O slogan “quem ama não mata” é insuficiente, mas ele é vital e deve ser inserido nas discussões.

  Ademais, como aponta a matéria da repórter Sandra Zanella, o Estado e a sociedade civil também precisam adotar medidas de proteção. Uma delas é a implantação de câmeras de segurança não apenas em espaços públicos, mas também dentro dos imóveis e nas suas cercanias. Elas, pelo menos, inibem a ação dos autores.

  Não é uma questão simples diante de séculos de dominação, mas enfrentar o problema de frente é uma necessidade. Leis, campanhas, conscientização e, sobretudo, duras punições aos autores são um passo importante a ser dado.

 

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.