Dia dos Pais celebra memórias e legados que atravessam gerações em Juiz de Fora
Laços familiares se fortalecem por meio da fotografia, da música e da tradição culinária da cidade
No Dia dos Pais, histórias de afeto ganham destaque por meio de trajetórias que preservam raízes e legados entre gerações. Em Juiz de Fora, pais e filhos compartilham mais do que laços de sangue: preservam ofícios, tradições e memórias que se renovam no cotidiano, mantendo vivas heranças construídas com dedicação e propósito.
Do lambe-lambe que virou símbolo de uma família dedicada à fotografia à bateria que marca o compasso de uma relação afinada entre pai e filhos, passando por um bar onde a receita da pizza é tão importante quanto o sobrenome no letreiro, os exemplos se multiplicam. São retratos vivos de amor e continuidade.
Em comum, essas trajetórias têm o cuidado transmitido de pais para filhos, o aprendizado silencioso entre gestos e palavras e a vontade de manter presente aquilo que o tempo não apaga.
Retratos em 5 minutos, memórias para sempre

Com um lambe-lambe nas mãos e o olhar sempre à frente, Seu Ferreira não fotografava apenas rostos: ele fixava o tempo. De clique em clique, construiu um legado em que a pressa não apagava o carinho, e a técnica andava de mãos dadas com o afeto. Em preto e branco ou colorido, revelava em minutos o que o tempo levaria décadas para apagar.
“Lembro que meu pai sempre buscou estar à frente. Sempre inovando. Um 3×4 em cinco minutos, a foto em preto e branco e depois colorida, com revelação sempre rápida. A inovação dele é nosso dever hoje”, relata Ferreirinha, como é conhecido José Roberto Ferreira.
Antes de ser Ferreirinha, ele era o menino que levava o almoço do pai até o estúdio. Foi ali, entre bandejas e negativos, que descobriu onde morava seu verdadeiro apetite: não na formação de advocacia, mas no ofício de revelar memórias.
“José Roberto não é bom para o balcão”, disse o pai, que lhe deu o apelido que atravessaria gerações. Ferreirinha cresceu sob as luzes da antiga Rua Halfeld, onde as conversas com o pai e os passeios de infância viraram molduras de lembrança. Hoje, ele as retribui registrando a memória dos outros, com o mesmo cuidado que aprendeu em casa.
A tecnologia mudou, mas o tempo ainda respeita quem trabalha com amor. Aos 88 anos de história, a Foto Ferreira segue firme, porque Ferreirinha conhece o segredo: manter o propósito em foco.
“Aprendi com meu pai a sempre estar atento às inovações. Essa evolução foi muito boa com ele. Eu acho que o amor que ele tinha pela fotografia fez com que nós evoluíssemos.”

O legado vai além da técnica, está no jeito de ser. “O papai era um amigo, amigo, pai, amigo, humano”, lembra, emocionado. E é com voz embargada que conta o instante mais marcante entre pai e filho: o dia em que recebeu das mãos de seu Ferreira o lambe-lambe que começou tudo.
“Só tem cinco. Até o Museu de Petrópolis queria me comprar essa câmera. Falei: ‘Não, isso não dá valor a este mar. Valor que não tem preço, não tem valor, né? Preço é estimativa’. Então, foi quando ele me deu.”
O slogan “O Ferreira é legal!” virou símbolo, mas para Ferreirinha, sua esposa Célia e o filho Roberto, é muito mais do que uma frase de efeito: é missão herdada, é pacto de memória.
“O que ele queria era que a gente mantivesse, né? A marca dele, o nome dele eternizado… e ele! Porque ele falava: ‘Retratos de cinco minutos que duram a vida inteira’. Então, ele queria que a Foto Ferreira durasse a vida inteira. E nós estamos persistindo, insistindo, vencendo e crescendo nessa imagem dele, nessa força que ele nos deu.”
Agora, a terceira geração abraça o legado com o mesmo afeto. Ferreirinha, com orgulho de pai e herdeiro, vê no filho não só a continuidade, mas a evolução.
“Eu fico muito agradecido a Deus por meu filho, a terceira geração, abraçar a ideia da Foto Ferreira. O mesmo carinho que eu tive com meu pai, ele tem comigo. Esse carinho e essa ligação com o lado humano e fotográfico. Ele também é dedicado. Inclusive, ele é melhor do que eu, porque além de ter o tino comercial, ele ainda tem o tino técnico, o lado profissional dele.”
No eco das ruas de Juiz de Fora, o jingle ainda ressoa como uma lembrança viva: “Retratos em cinco minutos que duram para a vida inteira.”
O herói de baquetas

No caso de Douglas Gomes, a paternidade veio com bumbo, caixa e prato. Ele é baterista – mas é na convivência com os filhos, Helena e João, que mostra seu ritmo mais preciso.
“Pras gerações mais antigas da música em Juiz de Fora, eu sou a filha do Douglas. Pras mais novas, ele é o pai da Helena”, ela ri.
E tudo começou cedo. Helena ainda era criança quando já circulava pelos bastidores dos shows do pai. “Uma das memórias mais antigas que eu tenho é de um show que ele fez com o Martiataka, no CCBM (Centro Cultural Bernardo Mascarenhas). Eu devia ter uns 5 anos, aquilo ficou.”
Mas não parou por aí. Um dia, na escola, houve um sarau. Douglas, claro, armou uma bateria só para a filha. Ela tocou “We will rock you”, sucesso do Queen. Antes de entrar no palco, ele puxou a filha de canto e disse: “Sobe no banquinho da bateria e agita o público.” Dica de ouro, técnica de pai. E que, segundo ela, ele usa até hoje nos próprios shows.
O tempo passou, mas a música continuou afinando o laço entre os dois. Aos 14, Helena montou sua primeira banda de rock, inspirada pelo gosto musical do pai. Hoje, segue carreira solo. E não está sozinha: o irmão mais novo, João, também herdou o ritmo do pai e foi direto para a bateria.

“A música nos conecta de uma forma muito especial, tem dias que eu e meu pai passamos horas falando sobre música, enviando novas descobertas um para o outro. Acaba sendo uma ponte entre nós dois.”
Tem trilha sonora também. Helena lembra com carinho daquelas músicas que ouvia criança, que hoje voltam com outra camada de sentido.”Sempre ouço para lembrar do meu pai, quando estou com saudade. Ele me conta de músicas que eu achava engraçadas ou divertidas, quando era bem pequena e acabo relembrando agora mais velha.”
Mas se for resumir tudo em uma canção, Helena não hesita: “Here for you”, do Firehouse. “Essa música fala sobre estar sempre aqui pra quando precisar de um ombro amigo pra chorar ou de um abraço, alguém para desabafar. Isso define muito nossa relação. Somos melhores amigos. Sei que meu pai está sempre disposto a me ajudar e apoiar, e eu também estou sempre aqui pra ele.”
A música termina com um refrão simples, quase ingênuo, mas que no contexto certo vira declaração de amor: “When you’re needin’ someone to hold you / Remember I told you I am here for you, I am here for you.’
E Helena jura de volta. “Somos melhores amigos e sei que meu pai está sempre disposto a me ajudar e apoiar, e eu também estou sempre aqui pra ele!”.
Porque pai que segura baquetas também segura o mundo. E, às vezes, tudo o que uma filha precisa é saber que, em meio à trilha sonora da vida, ele ainda está ali. Sempre por ela, como um herói, sem capa, mas com baquetas.
De pai para filho, para neto e para bisneto

No Bar do Futrica, a pizza tem segredos de família, a feijoada tem história, e o chão é quase patrimônio. Carregando mais do que sabor: nome, sobrenome e memória.
A história começa em 1957, quando Geraldo Vieira, o lendário Futrica, comprou de um bar na Galeria Hallack. Levou o ponto, algumas garrafas que diziam conter destilados (mas tinham água!) e, o mais valioso: uma receita de pizza que virou relíquia de família. Com o tempo, o nome Futrica deixou de ser apenas apelido e virou sobrenome comercial, símbolo de uma linhagem que atravessa três gerações.
Sidney Alves Vieira, filho de Geraldo, cresceu entre balcões e garrafas. Tentou o caminho das artes, estudando desenho na UFJF, mas foi no calor do forno e no vai e vem dos fregueses que encontrou seu lugar. Com apenas 19 anos, assumiu de vez o bar – e o nome do pai. O novo Futrica estava formado.
Hoje, Sidney divide a lida com o filho Rondinely e o neto Nycolas, que também carregam no sangue o ritmo do atendimento, o sabor de pizza assada e as piadas da clientela. “Aqui, cada um tem sua função”, explica Rondinely. “Meu avô é o relações públicas oficial. Meu pai cuida do balcão e da parte financeira. Eu fico no salão, coordenando tudo.”
Mas o segredo do sucesso não está só no trabalho bem dividido. Está no respeito mútuo, no riso fácil, na cumplicidade que atravessa décadas.
Quem entra no Futrica pode até reparar na comida, mas é nas nove mesas que repousa o coração da família. Cada mesa tem o nome de um bisneto do Futrica original, uma tradição que começou com Nycolas, o quarto bisneto, que sempre sentava na mesa 3, quando tinha 3 anos. A prima Iasmin, a única menina entre os nove, ganhou a mesa 1, afinal, cavalheirismo pesa mais do que ordem de nascimento.
Mais sagrada que receita de avó, só a da pizza do Futrica. “Não pode mudar. Nem ela, nem o piso”, diz Sidney, apontando para os ladrilhos que sustentam a casa há mais de 80 anos.

Mas o que sustenta mesmo o bar não é só o chão – é o vínculo entre eles. A parceria atravessou crises, pandemia e noites difíceis. Como no réveillon de 2020, quando, após um ano de pandemia, pai e filho se abraçaram e disseram: “Conseguimos.” Contas pagas, portas abertas, alma lavada.
“Aquele ano havia sido extremamente difícil. Perdemos muito dinheiro e enfrentamos inúmeros desafios, mas conseguimos encerrar o período com todas as contas em dia. Isso só foi possível graças ao apoio dos amigos, fregueses, funcionários e do proprietário do imóvel. Foi uma vitória coletiva diante de uma das batalhas mais duras que já enfrentamos”, relembra Rondinely.
Ninguém ali foi obrigado a trabalhar no bar – mas todos foram, de algum modo, convocados pelo destino. Rondinely chegou ainda no segundo grau, ajudando à tarde. Depois, largou um concurso público para seguir com o que chamava de “trabalho de coração”. Nycolas veio aos poucos: cortando pizza, preparando queijo, ajudando aos sábados.
Entre as memórias engraçadas, Sidney lembra de quando esqueceu um cliente no banheiro e fechou o bar. Teve que voltar correndo. “O freguês nem percebeu, estava mais tempo ali do que a gente!”
Nycolas ri ao lembrar dos finais de semana: “o mais divertido não é um momento específico, mas o clima dos finais de semana. Sempre estamos contando piadas com os fregueses, criando um ambiente descontraído e de muita risada.”
E é rindo que a família segue, sem confundir casa com sociedade. “Família é uma coisa. Sociedade, outra”, resume Rondinely. “O respeito é o que mantém tudo funcionando.”
Ali, entre uma feijoada e uma cerveja gelada, mora um o amor. E enquanto houver as noves mesas, a leveza de uma tradição e o chão com o amor que os sustenta, o grito continua: “Futrica neles!”
*Estagiária sob supervisão da editora Gracielle Nocelli