Entidades locais mantêm serviços de assistência social

Comissão nomeada pelo Executivo acata boa parte de questionamentos de organizações locais, que receberão cerca de R$ 7 milhões


Por Eduardo Valente e Renato Salles 

21/03/2018 às 07h00- Atualizada 21/03/2018 às 07h51

Uma reviravolta no resultado final de chamamento público realizado pela Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS) devolveu a seis entidades tradicionais de Juiz de Fora o direito de seguir como responsáveis por serviços de assistência social, prestados em diversas regiões do município. Elas também poderão ter acesso a recursos municipais para o desenvolvimento dos trabalhos. A polêmica envolveu o edital de número 3, lançado pela Prefeitura no ano passado e voltado a serviços de convivência e fortalecimento de vínculos, por meio de trabalhos desenvolvidos pelos Centros de Referência de Assistência Social, os Curumins e o Pró-idoso, além de outros auxílios prestados pontualmente em toda a cidade. Alegando incoerências nas avaliações que, inicialmente, apresentaram a Adra – braço da Igreja Adventista, com participação intercontinental, que não tem histórico de prestação de serviços na cidade – como vencedora dos 22 blocos que integram o edital em questão, oito organizações da sociedade local apresentaram recursos junto à Administração. E o resultado foi que 22 dos 17 blocos acabaram alterados após o deferimento de boa parte destes recursos.

A decisão final favorável às entidades locais foi publicada no último sábado, após uma série de protestos, questionamentos públicos, negociações e a busca do diálogo com a Prefeitura pelas diversas entidades interessadas no processo, cujos repasses programados devem chegar a R$ 8,2 milhões em 15 meses. Após o avanço das conversas, uma comissão intersetorial chegou a ser formada pelo Executivo para avaliar os recursos. Das oito entidades locais que apresentaram recursos contra suas inabilitações no resultado inicialmente divulgado, apenas o Grupo Espírita de Assistência aos Enfermos (GDAE) teve seu pleito indeferido e deve recorrer à Justiça para questionar a vitoria da Adra na disputa pelo bloco 2.

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Em nota, a SDS confirmou que o resultado divulgado no último sábado não é passível de alterações e ressaltou que a comunidade juiz-forana não corre risco de desassistência na prestação dos serviços até a assinatura dos convênios. “O resultado do edital 3 do chamamento público da Secretaria de Desenvolvimento Social, publicado no Atos do Governo no dia 17 de março de 2018, é definitivo. As entidades já foram notificadas para apresentarem os documentos necessários. Após os trâmites, os contratos serão assinados e os termos serão publicados. No período de transição, a SDS firmou termos de colaboração emergencial com validade até junho para não ocorrer desassistência. Os repasses financeiros são vinculados ao início das atividades das Organizações da Sociedade Civil contempladas”, afirmou a pasta em nota.

Amac reverte 11 inabilitações

No caso da Associação Municipal de Apoio Comunitário (Amac), a entidade contestou sua inabilitação na disputa por 11 blocos pelo fato de não ter apresentado parte da documentação exigida: certidão negativa de débito e cópia da ata de eleição do atual quadro diretivo. Para reverter o resultado inicial, a Amac alegou que, de forma equivocada, os documentos haviam sido trocados por comprovantes vencidos. Inicialmente considerada vencedora dos blocos em questão, a Adra contra-argumentou que o prazo para entrega da documentação exigida já havia se expirado. Após ambos posicionamentos, a Comissão de Seleção de Chamamento, definida por decreto do prefeito Bruno Siqueira (MDB), afirmou valer-se da “ideia de razoabilidade” para deferir o recurso da Amac, homologada como vencedora dos blocos de número 3, 6, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17 e 18.

Outras entidades também reverteram o resultado inicial por recursos semelhantes. O Abrigo Santa Helena, por exemplo, desbancou a Adra após conseguir comprovar “experiência mínima de um ano” na prestação dos serviços abrangidos pelo bloco 5. A alegação foi de que a documentação já havia sido anexada em outro envelope protocolado durante o trâmite do chamamento público em questão e tal comprovação foi anexada na fase recursal e acatada pela comissão. Situação bastante similar ocorreu com o Instituto Profissional Dom Orione, com o Instituto Jesus e com o Grupo Semente, declarados vencedores de quatro blocos após análise dos recursos, em detrimento da Adra, que havia saído vitoriosa no resultado inicial. A Associação Assistencial Padre João Emílio também teve argumentação recursal deferida, mas acabou atrás do Dom Orione na disputa pelo bloco 19.

instituto jesus priamo
Instituto Jesus foi uma das instituições que reverteu a situação (Foto: Fernando Priamo)

A Associação Assistencial Criança Feliz apresentou alegações distintas. Em uma delas pediu a revisão da pontuação dada às participantes durante o processo de seleção do chamamento público do bloco 8. Apesar de as contrarrazões da Adra, alegando que os pontos da concorrente não deveriam ser revistos, a Comissão de Seleção de Chamamento deu provimento parcial e conferiu à Criança Feliz um ponto extra, o que garantiu a vitória da entidade local na disputa. A advogada Denise Saltarelli representou sete das oito entidades que recorreram da decisão que colocava a Adra como vencedora dos 22 blocos. A exceção foi o Grupo Espírita de Ajuda aos Enfermos (Gedae), que teve o pedido indeferido na disputa pelo bloco 2, voltado ao fortalecimento de vínculos em parte da região Sudeste. Na avaliação da advogada, a busca pelo diálogo fez a diferença. “Insistimos por este caminho porque a judicialização traria muitos danos e não teria resultado imediato. O diálogo aberto com o prefeito, para termos a garantia de avaliação dos recursos, foi importante em todo este processo.”

Adra é declarada vencedora em cinco blocos

Inicialmente, a Adra havia vencido os 22 blocos que compõe o edital 3 do chamamento público. Com a mudança, a entidade, ligada à Igreja Adventista, ficou com cinco blocos, para atendimento parcial nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) nas regiões Sudeste, Leste e Norte, além de toda a Zona Nordeste. Para estes serviços, receberá, no total, R$ 1.346.112,00 ao longo de 15 meses, com abrangência de 466 usuários. No mesmo período, as demais seis entidades que tiveram seus recursos deferidos deverão ter acesso a R$ 6.932.207,40 em recursos municipais para o desenvolvimento de ações na área de assistência social. Os maiores valores integram o bloco 18 (R$ 891.981, por 15 meses de serviços prestados), voltado a 400 idosos acima dos 60 anos na região central, por meio do Pró-Idoso. Após a análise dos recursos, tais atividades permanecerão sob responsabilidade da Amac. A Tribuna entrou em contato com a Adra, por e-mail, no início da tarde desta terça-feira (20), mas até o fechamento desta edição não recebeu retorno.

Mobilização mantida

Presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais (Sinserpu), Amarildo Romanazzi classificou o deferimento dos recursos, em especial daqueles que beneficiaram a Amac, como positivo. O sindicato chegou a convocar duas paralisações de servidores da associação para protestar contra o primeiro resultado divulgado pelo Poder Executivo.

“A mobilização da categoria foi muito importante para a mudança de postura do Município e reabrir o diálogo na pessoa do próprio prefeito. A partir disto, o Município aceitou os recursos, reconheceu e identificou os problemas apontados pelas entidades”

O Sinserpu, porém, trabalha para manter os profissionais da Amac mobilizados. Uma nova paralisação já foi convocada para esta sexta-feira (23), para cobrar a recomposição dos vencimentos relativa a perdas inflacionárias acumuladas entre 2016 e 2017. Um ato público está agendado para as 10h, nas escadarias da Câmara Municipal.

GDAE pode recorrer à justiça contra resultado final

O único revés das organizações da sociedade civil locais aconteceu com o indeferimento de recurso provido pelo Grupo Espírita de Assistência aos Enfermos (GDAE), que tentou justificar o não comparecimento de um representante durante a fase de julgamento. As alegações da entidade, no entanto, foram desconsideradas pela Comissão de Seleção de Chamamento que negou provimento à peça recursal. Neste caso, a Adra manteve a vitória na contenda pelo bloco 2, que prevê atendimento contínuo de 70 usuários, entre 4 e 17 anos, moradores da região do Bairro Santo Antônio. O Gedae anunciou à reportagem que irá recorrer da decisão judicialmente.

Segundo a coordenadora de projetos do Gedae, Fátima de Paula, a contestação está relacionada ao item 6.4.1 do edital de chamamento público. Nele é informado que as propostas e os documentos de habilitação deveriam ser entregues presencialmente na sessão de credenciamento das concorrentes. A instituição cumpriu este termo, mas não compareceu à sessão de julgamento. Em sua defesa, o Gedae alegou que o descredenciamento por este fato violou os princípios da legalidade (por não haver exigência no edital), da motivação (pois a decisão não mencionou expressamente o edital), e do princípio de boa-fé e da confiança. Isto porque, durante visita técnica da comissão julgadora à entidade, em 17 de janeiro, o grupo havia alertado, oralmente, que não havia recebido a convocação por e-mail.

Na avaliação do recurso, a comissão julgadora entendeu que, na primeira reunião designada ao recebimento dos envelopes, as instituições indicaram, “voluntária e expressivamente, o endereço de e-mail para envio da convocação para a sessão de reabertura e de encerramento da fase de julgamento, comprometendo-se, portanto, com aludida forma de intimação e com o dever de comparecimento”.

Até 30 de junho
Os recursos para este serviço estão assegurados ao Gedae até 30 junho, quando vence o contrato em vigor. Até lá, a expectativa é de garantir a continuidade do atendimento de fortalecimento de vínculos por meio de mandado judicial até a decisão. A eventual perda deste bloco, porém, não coloca o futuro do grupo em risco.

Segundo Fátima, o Gedae, criado em 1989, mantém convênios maiores para residência terapêutica e casa de apoio, dentro dos serviços de acolhimento na área da saúde. “O fortalecimento de vínculo veio depois, em 2005, quando percebemos a necessidade de expandir o nosso atendimento, até em função das realidades que enfrentávamos com as famílias acolhidas em nossos outros trabalhos. Gostaríamos muito de continuar exercendo este serviço, mas o encerramento não afetaria a permanência do Gedae. Ficamos felizes que as demais entidades conseguiram reverter o resultado, pois a Justiça foi feita para elas, mas acreditamos que também temos este direito e vamos buscar isso.”

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