Ministério Público pede cassação do diploma de vereador de Julinho Rossignoli
Ação acusa abuso de poder político e econômico e pede ressarcimento aos cofres públicos; defesa de Julinho alega que a conduta vedada ‘simplesmente não ocorreu’
O Ministério Público Eleitoral (MPE) pede a cassação do diploma do vereador reeleito Julinho Rossignoli (PP) – marcado para ser entregue na noite desta quinta-feira (19) – por abuso de poder político e econômico, o que o impediria de tomar posse, no dia 1º de janeiro de 2025.
Além disso, também é pedido que ele ressarça mais de R$ 900 mil ao Município. A prefeita Margarida Salomão (PT) também é citada na ação, que teve início na prestação de contas exigida ao fim da campanha eleitoral.
Sábado letivo
Na Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) que tramita na 153ª Zona Eleitoral, disponibilizada à Tribuna pelo próprio MPE, o órgão afirma que recebeu denúncia na Ouvidoria, sobre a convocação de comparecimento obrigatório em uma reunião de sábado letivo, no dia 24 de agosto, para todos os funcionários de uma creche municipal. Em diligência, foi apurado que os funcionários de outras cinco creches também foram convocados.
A denunciante anônima afirmou que foi intimidada a entregar o celular no local e assinar uma lista de presença e que, desde então, “começou um discurso político com profissionais da Prefeitura e também outros envolvidos”.
Na ação, o MPE afirma que a diretora do Centro de Assistência Social e Cidadania (Cascid), prestador de serviço das creches, confirmou que receberam no local o vereador e a prefeita, então candidatos à reeleição, e que ambos pediram apoio a funcionários presentes, que totalizavam mais de cem.
A coordenadora do centro também foi ouvida pelo Ministério Público e confirmou que “houve reunião com funcionários de todas as creches, e a instituição convidou a prefeita, que falou sobre as ações dela e elogiou as creches, e pediu apoio em geral”. “Falou sobre o trabalho que ela está realizando na Prefeitura, mas não pediu voto obrigatoriamente assim não, pediu apoio, falou sobre a proposta dela, pediu apoio em geral”, explicou.
Por meio de uma medida cautelar de busca e apreensão, foram obtidos vídeos, da prestadora de serviços de campanha, que confirmariam “a lotação total do espaço e, portanto, permanência das pessoas convocadas e as falas com pedidos de votos até mesmo declarados como obrigatórios”, de acordo com o MPE.
Áudios transcritos pelo MPE
A ação também transcreve alguns áudios desses vídeos, atribuídos aos dois. Dele, se destacam trechos como “Durante esses 4 anos (…) ela nunca falou um não para mim”, “isso foi uma pauta que nós fizemos juntamente com o governo da Margarida e tem outras coisas que vão vir, gente, por isso que nós não podemos cortar o projeto” e “preciso do voto de cada um de vocês”.
Dela, trechos incluem “votar no Julinho é uma obrigação, mas mais importante é cada pessoa arranjar mais dez votos para ele (…) pode ser uma pessoa que é tão popular que vai arrumar pra ele mais 37. Eu acredito em mais dez, se você batalhar mais dez, cada pessoa trará mais dez, o Julinho vai explodir de voto, merecidamente”, “Vou pedir a vocês também, porque voto a gente pede, que no dia 6 vocês lembrem da Margarida e votem em mim, tá bem?” e “Cascid se preparem porque nós temos mais parcerias com a Cascid”.
O que pede o MPE
“Para efeito de cassação de registro/diploma”, conclui o Ministério, “a conduta deve demonstrar gravidade para influenciar nas eleições”. O órgão explica que os cem funcionários, sendo multiplicados pelos dez ou 37 conhecidos, exerceriam um potencial claro na campanha para vereador, em que Julinho recebeu 5.672 votos.
“Contudo, não se revela da mesma forma em relação à campanha para prefeita, eleita com 150.848 votos”. Este é o motivo pelo qual a prefeita é excluída da conduta grave, na denúncia. “Porém, a conduta da prefeita em benefício da campanha do vereador é legalmente típica como vedada”, ressalta.
Com base no artigo 73 da Lei das Eleições (9.504/97), o pedido é por multa de 5 a 100 mil Unidade de Referência Fiscal (UFIR) para ambos – e o Partido Progressistas – e a cassação do diploma de quem teria praticado conduta grave, com consequente anulação de votos, incluindo a redefinição do quociente eleitoral.
O MPE pede ainda a inelegibilidade de Julinho por oito anos e a recomposição do erário pelo desvio da finalidade de recursos públicos no montante de R$ 900 mil, mais correção monetária e juros de 1% ao mês, ou valores que somam R$ 25.897,00, explicados em ação que tramita em outra Zona Eleitoral, mais abaixo.
Posicionamento
A defesa de Julinho alega no processo que a conduta vedada “simplesmente não ocorreu”: “as manifestações políticas se deram após a reunião do Cascid, em espaço particular e para quem desejasse participar”. Além disso, lembram que o Cascid é de natureza de direito privado, cujos funcionários não são servidores públicos.
O documento traz ainda a transcrição de outros nove trechos de oitivas, destacando, por exemplo, que “a reunião da creche foi antes e aí teve um convite para quem quisesse ficar” quando seria entregue um trabalho e apresentado um projeto para a prefeita, “quem quisesse ficar podia e quem não quisesse estava dispensado”, nas palavras da mesma diretora do Cascid, citada pelo MPE.
Além disso, a defesa alega que, “em nenhuma das duas candidaturas, essa reunião isoladamente faria qualquer efeito, já que não se aplica progressão aritmética e progressão geométrica nas eleições. Caso assim o fosse, o candidato que fizesse um único comício com maciça adesão estaria eleito”.
Já a equipe de campanha de Margarida enviou a seguinte nota à Tribuna: “A defesa jurídica da Margarida informa que suas contas foram devidamente aprovadas e, respeitando o desejo do povo de Juiz de Fora, será diplomada pela justiça eleitoral neste 19 de dezembro.”
Na terça-feira (17), o juiz Orfeu Sérgio Ferreira Filho declarou saneado o processo, ou seja, passou para fase de organização do mesmo, na qual o magistrado resolve questões e toma providência para prepará-lo para a fase de produção de provas, necessária para dar a sentença.
Início na prestação de contas
No dia 5 de dezembro, o Ministério Público Eleitoral se manifestou, em outra Zona Eleitoral, pela desaprovação da prestação de contas do vereador. A promotora Danielle Vignoli Guzella Leite inicia a documentação expondo que tramita a AIJE.
“Dentre tais condutas abusivas”, detalha, “foi provado recebimento de doações provenientes do Município de Juiz de Fora, por intermédio de entidades de direito privado sem fins lucrativos”. As entidades são o Cascid e a Associação Municipal de Apoio e Renovação (A.M.D.A.R.).
O Cascid, que também é uma ONG, recebe recursos públicos para a prestação de serviço de educação infantil em seis creches municipais. De acordo com a denúncia, seis pessoas que são ou já foram vinculadas ao centro doaram R$ 25.897, o que representou 20,44% de todas as receitas auferidas para a campanha do vereador.
O problema apontado pelo MPE é que a origem dos recursos seria o próprio Município de Juiz de Fora, já que as creches geridas pelo Cascid receberam R$ 900 mil em emendas parlamentares de Julinho, só em 2024. A apuração ainda dá conta de que o Cascid emprega a esposa e um primo do vereador.
Já a A.M.D.A.R. – comandada por ele e a mãe, a ex-vereadora Ana Rossignoli –, tem um convênio com a Prefeitura de Juiz de Fora para prestar serviços fisioterapêutico, fonoaudiológico e psicológico para os funcionários e alunos das creches do Cascid.
A conclusão apresentada é de que as práticas violariam os artigos 24 e 25 da Lei das Eleições (9.504/97). Por isso, foi pedido que a prestação de contas fosse rejeitada e que fosse determinado o ressarcimento aos cofres públicos dos quase R$ 26 mil.
Alegações da defesa
Neste processo, a defesa de Julinho afirma que o MPE perdeu o prazo para apresentar o parecer por nove dias, e que “a prestação de contas é um processo administrativo-eleitoral, de jurisdição voluntária, que não comporta o contencioso”.
Além disso, ressalta que a A.M.D.A.R. “atende, à medida do possível, as pessoas que lá chegam, independente de “convênio” ou de indicação de sabe-se lá quem”. “Aliás”, prossegue o advogado Gustavo Henrique Vieira, não se sabe qual influência a A.M.D.A.R teria no Cascid pelo fato de atender, ou deixar de atender, seus funcionários e alunos assistidos”.
Já quanto ao Cascid, o argumento é de que todas as doações foram feitas por pessoas físicas, e que não há qualquer norma que impeça servidores públicos ou funcionários de ONG’s de realizarem doações eleitorais. “Se assim fosse, provavelmente, a maior parte dos candidatos já estaria com seu registro cassado”.
Ainda, sobre os R$ 900 mil que teriam sido destinados pelo vereador neste ano, a defesa ressalta que as emendas parlamentares ainda estão sendo analisadas pelo Executivo, e “nem todas foram executadas até o presente momento, razão pela qual a simples indicação não pode servir de parâmetro sério”.
Alegando que não há qualquer irregularidade nas contas apresentadas, a defesa pediu que as contas fossem aprovadas com ressalvas, por terem perdido o prazo de envio dos dados relativos a algumas doações, “falha meramente formal que não compromete a análise das contas”.
O juiz Edir Guerson de Medeiros acatou a argumentação e aprovou com ressalvas a prestação de contas do vereador: “Todos os doadores declarados pelo Ministério Público Eleitoral são pessoas físicas que doaram como tal. O simples fato de receberem salários, subsídios ou proventos de entidade pública ou de entidade privada recebedora de recursos públicos e de emendas parlamentares não descaracteriza a natureza privada desses recursos, (…) que podem doar livremente, respeitado o limite de 10% (dez por cento) dos rendimentos anuais, sendo que não houve alegação de que se extrapolou tais limites”.
No dia 11, o MPE entrou com recurso quanto à decisão, com prazo de três dias para a defesa, no dia 17, no qual afirma existir um vídeo – cuja autenticidade não foi impugnada – que provaria “o uso do Cascid, de forma indevida, para angariar votos ‘obrigatórios’ dos funcionários”.