Ministério Público analisa troca de partido por vereadores
Procuradoria Regional Eleitoral quer saber se mudança de sigla atende requisitos legais ou foi motivada por interesses eleitorais
Vereadores de municípios mineiros que trocaram de partidos com motivações eleitorais, de forma a ter melhores condições de competitividade no pleito de outubro, podem ter seus mandatos questionados pelo Ministério Público Eleitoral. Desde a última semana, a Procuradoria Regional Eleitoral em Minas Gerais realiza um levantamento de casos de mudanças de legendas por parte de parlamentares municipais para, depois, analisar se houve irregularidade ou não. “Ainda é cedo para emitir qualquer juízo de valor a respeito, e o procurador regional só irá se pronunciar quando terminar essa análise”, afirmou o órgão em nota encaminhada à Tribuna. Em Juiz de Fora, três vereadores trocaram de sigla no início de abril: Charlles Evangelista deixou o PP e segui para o PSL; Rodrigo Mattos trocou o PSDB pelo PHS; e Sheila Oliveira saiu do PTC e também acertou com o PSL.
Assim, a análise do Ministério Público Eleitoral sobre as trocas será no sentido de identificar se há justificativas para tais migrações, além das de interesses eleitorais. Cabe lembrar que, ao contrário de deputados estaduais e federais que trocaram de legenda entre 8 de março e 7 de abril, os vereadores não poderiam se beneficiar da janela partidária criada pela minirreforma eleitoral de 2015. Segundo a Lei 13.165/2015, que define a brecha legal, em 2018, a janela era válida apenas para aqueles que estão em seu último ano de mandato e não para parlamentares municipais, que só terão esse direito em 2020. Quem fez isso agora terá de provar que agiu por “justa causa” – trocas motivadas por mudança ou desvio reiterado do programa partidário ou grave discriminação política pessoal.
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Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da seção do Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), Carla Cristine Karpstein ressalta que os vereadores não poderiam se beneficiar da janela e ainda podem ter seus cargos ameaçados. “Essa janela foi feita para parlamentares em fim de mandato, que forem disputar as eleições deste ano. Os vereadores não estão em fim de mandato. Então, esta janela só se aplica a eles em 2020. Nos primeiros 30 dias (após as trocas), caberia aos partidos questionarem o mandato. Nos 30 dias subsequentes, os questionamentos ainda poderão ser feitos pelo Ministério Público e pelos suplentes. Passado este prazo, não há mais como questionar”, explica a advogada.
Parlamentares alegam justa causa e expulsão
Em Juiz de Fora, os três vereadores que trocaram de partido apresentaram alegações distintas. Presidente da Câmara, Rodrigo Mattos afirma que estaria sendo perseguido dentro do PSDB desde que, em maio do ano passado, fez críticas públicas ao senador Aécio Neves. Segundo as alegações do vereador, agora no PHS, tal cenário praticamente o inviabilizou dentro da sigla, o que motivou sua saída por “justa causa”. Rodrigo deve tentar uma cadeira na Câmara dos Deputados nas eleições de outubro. A despeito do argumento, seu mandato já foi questionado no TRE pelo ex-vereador José Laerte Barbosa (PSDB), que ficou com a primeira suplência da coligação PSDB/PV nas eleições municipais de 2016.
Já Charlles Evangelista e Sheila Oliveira deixaram os partidos pelos quais foram eleitos e alegaram terem sido expulsos de suas siglas por divergências de projetos. Nestes casos, como as iniciativas teriam partido das legendas, os dois parlamentares tiveram caminho livre para assinar com o PSL. Pela nova agremiação, Charlles deve se lançar candidato a deputado federal, enquanto Sheila deve sair candidata à deputada estadual.
Apesar de entendimentos de que a expulsão deixaria o caminho livre para uma troca de partido, o presidente do diretório municipal do PTB em Juiz de Fora, Ricardo Francisco, afirmou que o partido questiona o mandato de Charlles. O PTB integrou a coligação com o PP que elegeu o vereador. O primeiro suplente da composição é Wagner França (PTB). Por outro lado, reportagem da CBN Juiz de Fora veiculada na última sexta-feira, mostrou que, ao menos em um primeiro momento, os primeiros suplentes da coligação PSD/PTC não manifestaram a intenção de pleitear judicialmente o mandato de Sheila por infidelidade partidária.
Sem citar situações ou nomes especificamente, a advogada Carla Karpstein afirma que, em alguns casos, o Ministério Público ou mesmos suplentes podem, sim, contestar na Justiça Eleitoral situações em que haja suspeitas de que supostas expulsões possam significar manobras, para evitar possíveis ações pleiteando a perda de mandatos por desfiliação partidária. “Há esta prerrogativa caso haja provas de que a expulsão em questão seja fabricada. Hoje, na Justiça Eleitoral, discute-se muito o uso de fraudes para obtenção de mandatos, seja fraudes para cumprir a cota de mulheres nas chapas ou em expulsões de forma a evitar a perda de mandatos por infidelidade. Entendo ser plenamente possível que suplentes e Ministério Público questionem mandatos nestas situações. Mas para isto é preciso provas”, avalia.
Desfiliação justificada
Carla ainda lembra que a regra que trata da desfiliação partidária define situações em que a troca de legendas fora das chamadas janelas possa ser justificada. De acordo com a resolução 22.610 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), considera-se justa causa migrações motivadas por incorporação ou fusão do partido; pela criação de uma nova sigla; pela mudança mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; ou por grave discriminação pessoal.
“Tais possibilidades são muito subjetivas. Por exemplo, podem ser consideradas razões para desfiliação situações em que um parlamentar é proibido de participar da executiva do diretório, uma vez que é tradicional que os detentores de mandato tenham direito a vaga no colegiado; ou que o partido se negue a aceitar a indicação de novos filiados. Enfim, há várias coisas que podem configurar perseguições ou manobras para que a pessoa não possa crescer dentro do partido. Isto tudo pode ser considerado justa causa. Mas é preciso provas. Não basta apenas alegações”, pontua a advogada.
Professor defende fidelidade partidária
Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Jorge Chaloub defende que uma melhoria do sistema político e eleitoral do país e de um maior sentimento de representatividade da sociedade deve passar, necessariamente, por uma reforma política que tenha por objetivo fomentar o conceito de fidelidade partidária.
“Elementos como a janela partidária que permite que os deputados troquem de legenda contribuem para que ocorra um aumento do cenário de pulverização partidária, algo que já é gigantesco no Brasil. Isto acaba por empobrecer a discussão. Ainda acho que o modelo de representação partidária é algo que dá o mínimo de identificação para o leitor. É como se fosse um mapa”, considera, lembrando que, atualmente, a avaliação popular do sistema partidário é negativa.
Apesar de defender que a necessidade da definição de ferramentas para fortalecer os partidos e sua relação com seus quadros por meio de regras de fomento à fidelidade partidária, Chaloub considera que é necessário existir também regras capazes de permitir que quadros parlamentares possam buscar novos ares em situações de incompatibilidades excessivas ou incontornáveis.
“Não pode acontecer, por exemplo, situações em que um bom deputado fique refém de um partido”, considera o professor. Neste sentido, Chaloub exemplifica casos em que um quadro de uma linha política distinta ingresse e assuma as rédeas de determinada legenda, trazendo desconforto para detentores de mandato que já militavam na agremiação. “No atual contexto, algo que influencia tais trocas é a eleição presidencial, por exemplo.”
Viés eleitoral
Sobre as trocas recentes, sem entrar em méritos de casos individuais, Chaloub ressalta que, via de regra, a grande maioria das migrações observadas em períodos que antecedem a realização a definição de cadeiras parlamentares apresentam, sim, vieses eleitorais. “Via de regra, todas as motivações para troca de partido incluem cálculo eleitoral. Não que seja sempre apenas isto. O cálculo está sempre presente. Político faz conta de voto e disputa mandato. Não tem jeito.”