Para cientista político, repúdio à violência não pode ser seletivo
Opinião é do professor Paulo Roberto Figueira Leal, jornalista e doutor em ciências políticas
É preciso sempre repetir o óbvio: o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) sofreu um atentado inadmissível na última quinta-feira. Nenhum ser humano merece ser esfaqueado – incluindo candidatos à presidência -, independentemente daquilo que se fale ou daquilo que se faça. A apuração do crime deve ser rápida, mas acurada e cuidadosa, e os eventuais culpados devem ser responsabilizados segundo a previsão da lei. A violência não é um recurso político legítimo e não se coaduna com os princípios democráticos.
Todas as forças políticas democráticas devem desejar pronta recuperação a Bolsonaro (e foi nesse tom inclusive que seus concorrentes na disputa presidencial emitiram notas de repúdio ao episódio): aqueles que se opõem às ideias do candidato devem ansiar por derrotá-lo, a partir do confronto de ideias e de projetos, nas urnas - esse sim é o espaço da vitória ou da derrota na democracia.
Mas é preciso aproveitar a comoção produzida pelo episódio para se efetivar uma reflexão mais profunda. Vários dos segmentos sociais que apoiam Bolsonaro, indignados (de maneira justa agora) com o uso da violência contra seu líder político, não tiveram a mesma indignação em episódios anteriores em que a violência atingiu adversários do candidato do PSL.
Após o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), círculos bolsonaristas nas redes sociais digitais foram focos de produção e de circulação de fake news desqualificadores da memória da vítima. O próprio Bolsonaro manteve longo silêncio sobre o episódio e, quando falou, em momento algum repreendeu seus seguidores pelas ações contra Marielle, que já não podia defender sua honra.
Na caravana de Lula pelo Sul do Brasil, quando tiros foram disparados contra ônibus em que estavam apoiadores do petista, Bolsonaro fez algo mais grave do que manter o silêncio: disse que “Lula quis transformar o Brasil num galinheiro e agora está por aí colhendo ovos por onde passa” (IG, 29 de março de 2018) e insinuou publicamente que a ação tinha vindo dos próprios petistas. Suas declarações recentes sobre “metralhar petistas” inserem-se num padrão discursivo historicamente incitador do ódio contra adversários.
Isso autoriza alguém a esfaqueá-lo? Absolutamente não. O fato de produzir falas admitindo ou incentivando a violência contra adversários torna Bolsonaro um alvo legítimo de ações violentas? É óbvio que a resposta é negativa. Mas se não discutirmos a fundo a seletividade com que a extrema-direita brasileira tem lidado com o tema da violência (para alguns desses setores, atos violentos só parecem ser inadmissíveis quando praticados contra eles próprios), não seremos capazes de aprender com esse episódio lamentável. E quem não aprende com a História está, infelizmente, condenado a repeti-la.
Tópicos: eleições 2018