Câmara afirma que faltam regras para reserva de vagas para negros em concurso
Destinação de 20% das cadeiras é definida por resolução e legislação municipal, mas, após 15 anos, normas ainda não foram regulamentadas
A Câmara Municipal de Juiz de Fora defendeu a inexistência de irregularidade em seu edital que rege concurso público a ser realizado para a contratação de 30 profissionais efetivos de níveis médio, técnico e superior. Nesta semana, a Tribuna recebeu denúncia de leitores que apontavam que o certame não obedecia disposições integrantes da Resolução 1.183/2004 e da Lei municipal 10.283/2002, que determina a inclusão nos editais para provimento de concursos públicos da Câmara e dos órgãos da Administração direta e indireta da Prefeitura de reserva do percentual de 20% das vagas disponíveis para negros e negras. Os dois dispositivos legais citados integram Programa de Ações Afirmativas no Município de Juiz de Fora. Segundo o Legislativo, tais definições foram consideradas durante a confecção do edital, mas a reserva da vagas para negros e negras não ocorreu pelo fato de as regras não terem sido regulamentadas, nem pelo Poder Executivo e nem pelo Poder Legislativo, não existindo, assim, normas claras para suas aplicações.
De fato, a Lei municipal 10.283/2002 traz em seu artigo a determinação de que caberia ao Poder Executivo regulamentar a legislação no prazo de 120 dias. Levando-se em consideração o texto legal, que é oriundo de projeto de lei de autoria do ex-vereador Barbosa Júnior, tal limite se expirou no dia 12 de janeiro de 2003, ainda na gestão do ex-prefeito Tarcísio Delgado. O Município também não regulamentou a regra posteriormente, a despeito do prazo ter expirado há 15 anos, período em que seis prefeitos passaram pela chefia do Poder Executivo: Alberto Bejani (entre 2005 e 2008), José Eduardo Araújo (entre junho e dezembro de 2008), Custódio Mattos (2009-2012), Bruno Siqueira (2013/2018), Antônio Almas (a partir de abril de 2018), além de Tarcísio (1997/2004).
No mesmo sentido, a Resolução 1.183/2004 – que também se origina de proposição de Barbosa Júnior – dispõe sobre a implantação do Programa de Ações Afirmativas no Município no âmbito da Câmara Municipal. Apesar de o texto não prever em seu corpo a necessidade de uma “regulamentação”, o entendimento da Câmara é o mesmo e vai no sentido de que exista a necessidade de um ato posterior para aplicar as determinações que seguem em seu conteúdo, algo que não foi realizado pelas últimas cinco legislaturas. O texto da resolução, aliás, espelha a lei municipal. No entanto, como o Município também não regulamentou a legislação que rege a reserva de vagas no âmbito de concursos realizados pela Administração direta e indireta, o Legislativo considera que não há regramento legal para a aplicação das definições previstas na resolução.
‘Insegurança jurídica’
Como forma de exemplificar a necessidade da regulamentação para a reserva de vagas definidas pelo Programa de Ações Afirmativas no Município de Juiz de Fora, a Câmara alegou insegurança jurídica para a aplicação da reserva de 20% das vagas para negros e negras. Uma das situações que, aos olhos do Legislativo, carece de detalhamento seria aquela em que a incidência do percentual resultasse em número fracionado, não havendo qualquer previsão legal sobre se tal número deveria ser arredondado para cima ou para baixo. Da mesma forma, a legislação também não fala em um número de vagas a partir do qual tal percentual deveria ser aplicado. No atual certame, por exemplo, há carreiras em que o processo seletivo foi aberto para o preenchimento de uma única cadeira efetiva.
Para a Câmara, outro ponto que precisaria ser esclarecido por meio de regulamentação ou ato posterior seria o momento em que o percentual para a reserva de vagas para negros e negras seria aplicado, uma vez que também há legislações que definem a reserva de vagas para outros segmentos, como a Lei municipal 8.710/1995, que estabelece o Estatuto dos Servidores Públicos da Administração direta do Município de Juiz de Fora, que, em seu artigo 8º, determina a reserva de até 20% das vagas oferecidas em concurso.
Neste último caso, porém, além do Estatuto dos Servidores, a Câmara se baseou no Decreto Federal 3.298/2009, que regulamentou a Lei 7.853/1989 – que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa com Deficiência – para definir em edital a reserva de 10% das vagas destinadas a cada cargo e das que vierem a ser criadas durante o prazo de validade do concurso, desde que as atribuições do cargo sejam compatíveis com a deficiência. Apenas haverá reserva imediata de vagas para os candidatos com deficiência nos cargos com número de vagas igual ou superior a cinco cadeiras.
Assim, a prerrogativa só terá validade para a disputa das 13 cadeiras para assistente legislativo I. Para tais definições, a Câmara usou previsões da Lei municipal 8.388/1993 – também utilizada como referência em editais de concursos lançados recentemente pela Prefeitura, mas que não é mencionada no edital do Legislativo -, que dispõe sobre os cargos públicos municipais reservados às pessoas com deficiência e define critérios para sua admissão, além da Lei 8.710/1995.
Reserva de vagas para negros é reconhecida no âmbito federal
Em junho do ano passado, em decisão unânime, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 41 e reconheceu a validade da Lei 12.990/2014. A legislação reserva 20% das vagas oferecidas em concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta, no âmbito dos Três Poderes. Esta medida tem validade de dez anos após a entrada em vigor. Relator da matéria, o ministro Luís Roberto Barroso considerou que a lei é motivada por um dever de reparação histórica decorrente da escravidão e de um racismo estrutural existente na sociedade brasileira.
Em seu voto, o ministro Dias Toffoli se manifestou pela compatibilidade de ações afirmativas com o princípio da igualdade e considerou que o entendimento está em sintonia com a jurisprudência do STF, que já havia confirmado a constitucionalidade da instituição da reserva de vaga para pessoa com deficiência física. O ministro explicou, contudo, que seu voto restringe os efeitos da decisão para os casos de provimento por concurso público, em todos os órgãos dos Três Poderes da União, não se estendendo para os Estados, Distrito Federal e municípios, uma vez que a lei se destina a concursos públicos na administração direta e indireta da União, devendo ser respeitada a autonomia dos entes federados.