Primeira mulher a comandar o Corpo de Bombeiros de Minas fala de desafios e avanços
Questionada no início da carreira por querer ser bombeira, coronel Jordana entrou para a história ao assumir o comando-geral em fevereiro

Há 25 anos, a coronel Jordana de Oliveira Filgueiras Daldegan enfrentou os primeiros desafios ao decidir ser bombeira militar, profissão historicamente masculina. “Lembro-me de chegar no serviço operacional e receber uma roupa de combate a incêndio de tamanho masculino, que ficava bastante larga e exigia uma boa adaptação.” Após o início da carreira marcado por situações “onde nós mulheres sentimos a pressão de comprovar que damos conta do recado”, ela entrou para a história, aos 44 anos, como a primeira mulher a assumir o comando-geral do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG), corporação de 113 anos conhecida por salvar vidas, debelar incêndios e realizar os mais diversos tipos de resgate. Para fechar este mês, marcado pelo Dia Internacional da Mulher (8 de março) – de luta histórica por direitos, equidade e respeito -, a Tribuna conversou com a coronel Jordana sobre sua experiência profissional e ascensão em meio a tantos preconceitos. Para se ter uma ideia da desigualdade, só em 2023 houve o primeiro concurso no Corpo de Bombeiros sem limitação de vagas, com ampla concorrência para homens e mulheres. Apesar da mudança a passos lentos nas forças de segurança pública de Minas, há sinais de novos tempos. Além do comando feminino no Corpo de Bombeiros, a Polícia Civil é liderada pela delegada-geral Letícia Gamboge Reis, desde maio de 2023. Àquelas que almejam altos postos de comando, a coronel Jordana alerta: “Demanda bastante trabalho e compromisso, mas é plenamente possível e considero-me uma prova disso.”
Tribuna de Minas – Como é ser a primeira mulher a assumir a mais alta posição de uma centenária e tão importante corporação?
Coronel Jordana – Assumir o cargo de comandante-geral da corporação é uma honra e uma responsabilidade muito grande em qualquer situação. Sendo a primeira mulher, aumenta ainda mais essa responsabilidade. Considerando os critérios adotados pelo governador (Romeu Zema – Novo) nesta escolha, chegar ao ponto de ter uma mulher no comando é um grande reconhecimento do nosso trabalho. A importância dessa liderança feminina vem de uma consolidação que foi construída lá atrás, há 31 anos, com a inclusão da mulher na corporação. Foi um processo gradativo, que foi sendo vivenciado e aprimorado.
Como mulher, quais têm sido os principais desafios nesses primeiros meses de sua gestão?
O primeiro mês foi bem intenso. O fato de ser a primeira mulher a assumir o comando, gerou uma repercussão muito grande. Conciliar isso com o serviço diário, de fato, tem sido muito desafiador, até porque o serviço não pode parar. Tivemos o carnaval, momento de grande desafio para a corporação pela necessidade de fazer frente às várias demandas operacionais em todo o estado. Estamos em pleno período chuvoso e já planejando e atuando em incêndios em vegetação, além das ocorrências diárias, o que torna a gestão realmente desafiadora.
Como tem sido o retorno de seus colegas e da própria população?
Graças a Deus, conto com um forte alicerce, que é a minha família, e também tenho recebido um apoio muito grande por parte da corporação e de bombeiros de todo o país. Já a população, foi uma grata surpresa, pois diariamente recebo mensagens, não só de mulheres de diversas idades, além de muitos homens que se dizem orgulhosos por ter uma mulher à frente de uma corporação como o CBMMG. Isso é motivo de muita alegria, mas, sem dúvida, também revela a dimensão da responsabilidade que carrego.
Como foi o seu percurso para chegar nesta posição? E o que diria para outras mulheres que almejam atingir altos postos de comando?
Eu faço parte da primeira turma de oficiais com formação exclusiva de bombeiros. Entramos no ano 2000 e, em 2003, se formou a primeira turma de oficiais bombeiros militares. As turmas de oficiais anteriores foram formadas pela Polícia Militar, sendo o policiamento o objeto central de estudo. O ano de 2000 foi emblemático para a corporação, que adotou uma grade curricular específica voltada para a atividade de bombeiro. A formação especializada permitiu uma virada de chave na mentalidade dos militares, que foram forjados a pensar como bombeiro, a identificar as necessidades da corporação e a alinhar a gestão à realidade do CBMMG. Essa turma evoluiu junto com a instituição e contribui fortemente neste processo até os dias de hoje. Me orgulho por ter sido a subcomandante do 3º Batalhão de Bombeiros Militar, local onde cumpri meu aspirantado no início da carreira. Outra função exercida bem no início, que muito me honra, foi ter sido responsável pela estruturação do Curso de Formação de Soldados 2004 como chefe de curso. Fui assessora bombeiro militar da presidência da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e, mais recentemente, atuei como chefe de Gabinete e da Diretoria de Assuntos Institucionais da corporação. Também chefiei a Assessoria de Comunicação Organizacional do CBMMG, coordenando a equipe durante ocorrências históricas de repercussão no cenário internacional, como a queda do viaduto Guararapes (em Belo Horizonte), o rompimento da barragem em Brumadinho, a queda da rocha em Capitólio e o acidente com a cantora Marília Mendonça. Para as mulheres, deixo o recado de que atingir altos cargos demanda bastante trabalho e compromisso, mas é plenamente possível e considero-me uma prova disso.
Acredita que as forças de segurança pública têm dado mais espaço às mulheres? De que forma?
O governador Romeu Zema, ao longo de sua gestão, vem demonstrando que a conquista desses espaços é pautada por critérios técnicos, como competência e mérito. E nesse aspecto, as mulheres possuem condições de igualdade com os homens. Atualmente, sete mulheres lideram os órgãos de primeiro escalão do Governo. E na segurança pública, podemos destacar também a chefia da Polícia Civil, sob a liderança da delegada-geral, Letícia Gamboge. Acredito que essa tem sido, sim, uma marca forte de seu governo, que, dentre tantas prioridades, tem se preocupado em fortalecer as iniciativas de valorização das mulheres, ampliando as oportunidades em cargos estratégicos de liderança, sendo exemplo para toda a sociedade.
Quando e como surgiu sua vontade de integrar o Corpo de Bombeiros? Lá atrás, imaginava que um dia se tornaria comandante?
O incentivo veio por meio do meu avô, que foi sargento da Polícia Militar. Durante a infância e adolescência estudei no Colégio Tiradentes, onde fui forjada a apreciar algumas características, como disciplina e hierarquia. Mas também tive liberdade para fazer a minha escolha. Já na corporação, tive o privilégio de conhecer meu marido, o coronel veterano Fábio Daldegan. Nos casamos, tivemos dois filhos e agora nossa prioridade é orientá-los para que escolham profissões que os façam felizes, como nós somos como bombeiros. Ao longo da carreira e com o passar do tempo, cada vez mais, meu objetivo sempre foi contribuir para o desenvolvimento da corporação. Me tornar comandante foi algo que aconteceu de forma natural, e acredito que foi muito em função do amor que tenho pela profissão, que me fez estar pronta para entregar meu melhor para o CBMMG.
Como é ser mulher em uma corporação composta em sua maioria por homens? Enfrentou muitos preconceitos? Lembra de algum caso específico?
Naturalmente, há 25 anos, quando entrei na corporação, a sociedade era outra. Só o fato de ser bombeira, profissão historicamente masculina, já gerava questionamentos. Lembro-me de chegar no serviço operacional e receber uma roupa de combate a incêndio de tamanho masculino que ficava bastante larga e exigia uma boa adaptação. Sem dúvidas, o início da carreira foi marcado por desafios e situações onde nós mulheres sentimos a pressão de comprovar que damos conta do recado. Mas com o tempo, a evolução da corporação neste assunto e a competência técnica das mulheres falando mais alto, essas situações se diluem e acabam ficando sem espaço. Em 2023, a corporação anunciou o primeiro concurso sem limitação de vagas, onde homens e mulheres têm ampla concorrência. Constantemente realizamos ações de valorização da mulher no serviço bombeiro militar e vejo que a corporação está no caminho certo, nesse sentido.
Qual a marca que pretende deixar como a primeira mulher a comandar o CBMMG? Qual será o foco principal do seu trabalho e quais projetos pode destacar?
Os desafios são muitos, o principal deles, talvez, seja dar continuidade ao planejamento traçado pelo Plano de Comando da corporação. Precisamos caminhar alinhados com as estratégias de sucesso que colocaram o Corpo de Bombeiros Militar como referência nas ações de proteção e defesa civil, salvamento e socorro no cenário nacional e no mundo.
Tópicos: Corpo de Bombeiros / mulher