Pesquisa indica que crianças em vulnerabilidade social podem desenvolver quadros mais delicados de Covid-19
Segundo o estudo, há fator de maior risco para os grupos de crianças indígenas, de regiões mais pobres, com comorbidades, adolescentes ou menores de um ano
Uma pesquisa da Faculdade de Medicina da UFMG traçou o perfil das crianças brasileiras hospitalizadas com Covid-19. Entre os principais apanhados, fatores como a vulnerabilidade social e menor acesso à saúde foram destaques, assim como comorbidades, para o pior prognóstico das crianças brasileiras quando comparadas aos estudos publicados na literatura internacional. O estudo foi publicado no dia 10 de junho, na revista The Lancet Child and Adolescent Health.
Para traçar esse perfil, foi realizado um levantamento e depois uma análise de dados de 82.055 crianças internadas em hospitais brasileiros, públicos e privados, no ano de 2020, com suspeita da doença. Desse número, 11.613 tiveram comprovação laboratorial da infecção pelo SARS-CoV-2 e foram incluídas na análise.
O estudo analisou dados de crianças hospitalizadas, com formas moderadas e graves, não incluindo dados sobre as formas leves. Entre os fatores de risco para maior mortalidade foram identificadas a idade, a etnia, a macrorregião geográfica de origem e a presença de comorbidades.
Taxa de mortalidade foi maior entre menores de 2 anos e adolescentes
Entre esses pacientes, 886 (7,6%) morreram no hospital. O valor chamou a atenção dos pesquisadores ao comparar com uma coorte prospectiva no Reino Unido com crianças hospitalizadas que apontou para mortalidade de 1% (todas com comorbidades). “Entendemos que os poucos recursos disponíveis para a assistência à saúde, incluindo a pouca disponibilidade de UTI pediátricas, pode ter impactado nessa realidade”, destacam os pesquisadores.
No fator idade, a mortalidade foi maior entre menores de 2 anos e em adolescentes (entre 12 a 19 anos). Os pacientes da região Nordeste ou Norte do país também tiveram maior risco de um desfecho adverso comparado aos da região Sudeste. As crianças indígenas tiveram pelo menos o dobro de risco de morte em relação às de outras etnias. Outro ponto observado pelos especialistas foi o aumento progressivo da incidência de mortes a partir do número de comorbidades, ou seja, o risco do desfecho negativo é maior a cada doença pré-existente a mais que a criança tenha.
Além dos 886 (7,6%) pacientes pediátricos que morreram no hospital, em uma média de seis dias após a admissão hospitalar, o estudo revela que 10.041 (86,5%) pacientes receberam alta do hospital, 369 (3,2%) estavam no hospital no momento da análise e 317 (2,7%) não tinham informações sobre a conclusão do tratamento. Neste caso, a probabilidade estimada de morte foi de 4,8% durante os primeiros dez dias após a internação, 6,7% nos primeiros 20 dias e 8,1% ao final da análise.
Menores em situação de vulnerabilidade social podem desenvolver diagnósticos mais delicados
De acordo com os pesquisadores, a principal conclusão do estudo é que, como já verificado em estudos nacionais e internacionais de pacientes adultos, as desigualdades sociais e nos cuidados de saúde podem contribuir para aumentar o impacto negativo da doença em crianças e adolescentes mais vulneráveis e socioeconomicamente desfavorecidos no Brasil.
Ainda segundo os especialistas, fatores sociais e biológicos parecem estar intrinsecamente interligados e podem agir em conjunto para aumentar o impacto da doença para esta população mais vulnerável. Outro ponto defendido é em relação as necessidades específicas de pacientes pediátricos mais suscetíveis, que devem ser consideradas no contexto de futuras decisões para medidas preventivas e estratégias terapêuticas para esses grupos.
Levantamento de dados e pesquisa
Os dados para a pesquisa foram coletados no Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe), que é um banco de dados nacional com pacientes dos sistemas público e privado. A equipe do estudo extraiu desse sistema todos os casos confirmados de Covid-19 referentes à população pediátrica (menores de 20 anos), entre 16 de fevereiro de 2020 e 9 de janeiro de 2021.
A análise também contou com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e foi conduzida pelos professores Eduardo Oliveira, Ana Cristina Simões e Silva e Maria Christina Lopes, do Departamento de Pediatria da Faculdade.
Houve, ainda, a participação do professor Enrico Colosimo, do Departamento de Estatística (UFMG), dos pesquisadores da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) Hercílio Martelli-Júnior e Daniella Barbosa Martelli, do pesquisador Robert Mak, da University of California, San Diego, e da aluna Ludmila R. Silva, da Faculdade de Medicina e bolsista da iniciação científica pelo CNPq.